sábado, 25 de agosto de 2007

Rein Regen

Gotas gordas caem do céu, que se torna mais negro a cada minuto. Um dilúvio desaba sobre a terra, alagando as ruas, fazendo com que tudo se recolha a um canto abrigado, protegido da água cantante.
Alguém, encostado num canto desses, espera que a chuva passe ou, pelo menos, um sinal dos céus para poder chegar ao destino em segurança e sem ter que passar a noite a chá e comprimidos.
Nos ouvidos e na mente, tudo o que foi ouvido, tudo o que foi dito. Algumas palavras que não faziam sentido, nem se coadunavam nem com ideias nem com os sentimentos existentes. Farrapos de conversas que vão e voltam, sem que se tornem verdadeiras por serem discutidas. Havia medo, insegurança, havia a eterna angustia da espera e da distancia. Havia também a vontade, o impulso, o vigor e a força do que está presente, não mais latente. Havia, mais do que qualquer outra coisa, a força do que está de facto presente, do que é sentido, que dominava, que era maior que tudo. E havia o sentimento de impotência, de frustração por não conseguir mostrar que aquilo era verdade, era a verdade. Por ser cobarde e sempre receosa do que pudesse vir, por não conseguir nem dizer nem mostrar a dimensão, nem a profundidade, nem a cor, nem o ardor, nem a saudade constante, nem nada do que havia, lá dentro. Não havia maneira nenhuma de provar, sequer demonstrar que era sincero, verdadeiro, genuíno, sem nada que o suplantasse.
Olhou para o céu plúmbeo, já não sabia se à espera que a chuva parasse, se à procura de respostas e soluções.
Não ia esperar mais. Não ia ficar na segurança do inerte, à espera que a providencia ( ou o que quer que fosse ) decidisse mandar-lhe sinais de certezas e confortos.
Saiu, correndo entre a cortina de água, intensa e quase palpável, à procura do caminho para casa. Não havia mais esperas, não ia haver mais medo, nem mais perguntas. Não ia atrás do caminho de sempre. Ia à procura de um novo, que lhe deixasse para trás a paranóia e todos os monstros escondidos no armário.
As gotas grossas da atmosfera líquida ensopavam-lhe as roupas, colavam-lhe o cabelo ao rosto, lavando odores de velhos fantasmas, levando consigo, finalmente, a angustia, a falta de confiança, os suores frios de dores antigas.
Ecoava-lhe nos ouvidos a música do dia anterior, do dia presente. Como se uma multidão a cantasse, como se um coro lha dedicasse. Como se a massa de gente que a entoava a apoiasse, a aplaudisse, cantando a plenos pulmões os acordes mais belos da canção. Como se não estivesse sozinha.
Gotas frias misturavam-se com outras quentes, que lhe escorregavam da cara, aquecendo a pele, antes fria e rígida. Podia não ter toda a segurança existente, mas já tinha alguma. Podia não saber como demostrar, mas sabia que ia tentar, sabia que podia fazer com que o que não conseguia expressar falasse por si. Podia não ser para sempre, mas era o mais forte que alguma vez poderia ter imaginado, previsto, sequer, querido. O mais forte alguma vez sentido.
E as duas palavras que tanto medo lhe impunham, aquelas das quais fugira vezes sem conta, aquelas que nunca saíram nem tinham sido pronunciadas, já não lhe pareceram tão assustadoras, nem tão pesadas. Por que eram verdade, e porque as sentia.
E as gotas tépidas misturavam-se com o riso descontrolado, que fazia vibrar corpo e alma.
Louca? Talvez.
Viva, principalmente.
AS

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