quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Abschied

Sentada ao pé da janela, apoiou o cotovelo no parapeito da janela em movimento. Lá fora, em sentido contrário, fugiam as cidades, as vilas, as casas, as pessoas ; fugiam as cores, fugiam nuvens, fugia tudo à vista. A paisagem, conhece-a de cor ; há muito que foi decorada. Nada lhe diz. Tudo igual a sempre.
Na mente, as imagens que ficaram para trás, em nada parecidas ao que se vê da janela. Nem vilas, nem cidades, nem pessoas, nem actividade.
A pessoa, as palavras, os gestos, tudo esculpido na memória, tudo visto como um filme, diante dos olhos. Ficou para trás. Longe, temporariamente longe. Presente, o que há-de vir. Dias inteiros passados no afastamento, na distancia, a espera do dia, da hora, do minuto em que poderá regressar.
Ficou tudo por dizer. Palavras, insignificantes, insípidas, destroem o significado de tudo o que se possa sentir. Nada do que possa ser dito vai alguma vez suplantar o que é sentido. Para quê explicar o que não tem explicação possível? Para que tentar expressar o que não tem lugar à explicação? Podiam ter sido proferias, ditas, gritadas, cuspidas. Ficou tudo por dizer. Podia ter ido mais alem, e não o fez. Podia ter dito muito mais, e não o disse.
Sou patética”, pensou, “podia ter dito e não disse.”
Pensou.
Sentiu.
Sente.
Mas não disse. Podia ter transformado o derradeiro momento numa torrente de verbos, inúteis, sim, mas que lhe tirassem o peso da alma, o peso de ter um turbilhão de sentimentos dentro do peito, que ameaça arrastar tudo à sua passagem, destruir a sanidade, acabar com a resistência à angustia. Podia ter dito tudo, o que sente, o que pensa, e o que vê, e aquilo que sente ao ver, ao tocar, ao sentir.
Não disse. Deixou passar o tempo, engoliu a vontade, deixou ir.
E dizer o quê, afinal? Não tem palavras para descrever nada do que lhe vai dentro. Não sabe como descrever o que quer que seja que lhe passa pela mente. Apenas sabe que sente. Sente, lá dentro, a pulsar, presente, vivo, dominante. Está lá. Não se dissipa, não se destrói. Vive. E faz sentir.
Lentamente, o movimento da janela cessa. As pessoas, as casas, as nuvens já não parecem correr a tanta velocidade como antes. A mesma paisagem de sempre também abranda, e dá lugar ao caminho para casa, velho conhecido.
Sai. A brisa da tarde bate-lhe no rosto, revolta-lhe os cabelos, arrepia-a.
29 dias.
De novo, o peso e a força do turbilhão tomam conta dela. Lembram-lhe o que viu, e o que falta para voltar a ver.
Podia ter dito. Mais. Muito mais. Não disse.”
Um calor húmido, fino, leve escorrega-lhe dos olhos. Uma única gota.
Leva os dedos ao rosto para a limpar, como que a afastar as memórias, os pensamentos pesados. E sente-o. Está lá. Entranhado e enraizado nas mãos. Na pele. O perfume. Dele.

AS

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