sexta-feira, 31 de agosto de 2007

7 Demónios

Hoje nem a ilusão da segurança protectora de alguém que não existem tens. Estás por tua conta. E começa a viagem ao mundo dos distúrbios e das alucinações. Sem escapatória, sem eufemismos, sem meias palavras. E não há ninguém que te vá apanhar quando caíres.
Fraca. Inútil. Disparatada. Descaracterizada.
Porque ainda acreditas. Porque não aprendeste nada. Porque o teu discernimento, aquele que existe, é ridículo e digno de um trisémico. Porque em momento algum te manténs fiel ao que és e ao que tens.
Nada do que viste até agora te serviu para aprenderes o que quer que fosse. Não és mais do que um poço de contradições, sem fundo, sem escada de regresso ao topo, escuridão e vazio. Um nada.

Querias o quê? Ser algo que não és? Fingir que podes ser mais do que a miséria que se vê?
Nunca conseguiste, paz de espírito falta em grandes quantidades na tua alma escurecida, não consegues ver além do que existe, és demasiado idiota. Porque no fundo sabes o que vales, sabes que o que se vê é uma capa de açúcar, falsa, ilusória, que só engana os outros, não a ti. Sabes que o que se vê não é rasgo de genialidade, não é especial, não é extraordinário, não é diferente. Não é nada. És mais uma na multidão sem rosto, mais um pormenor que passa despercebido. Porque sabes que não tens nada que te destaque, e que estás condenada a ser mais uma na vida dos que passam por ti. Nada tens, nada és.

Olha para ti. És ridícula. És vergonhosa. Ages como se fosses a melhor de todos, a mais inteligente, que não tem defeitos. Desprezível. Nojo de ti, que nem assumir que não és diferente de tudo o que já se viu consegues. Falas dos outros, fazes igual. Critíca-los, cometes os mesmos erros. Despreza-los por aquilo que são, és igual. No fundo, sabe-lo. Lá bem no fundo das tuas entranhas, sabes que não consegues ultrapassar nada o que seja dito ou feito pelos outros, mas resolves envolver-te nessa figura superior. Cheia de falhas, qualquer um vê através de ti. Nem salvaguardar o que resta de ti consegues.

O que pensas que andas a fazer? A viver uma vida de sonho? Não a mereces. Não fizeste por merecê-la. Não lutaste, não te sacrificaste, não perdeste. Ganhaste sempre, de mão beijada, sem glória, sem esplendor, sem esforço. Nada. Não há mérito, não há merecimento. Refugiaste-te na dor antiga, naquela que não te larga, nem a queres tu largar, aquela que de certa forma, te dá conforto e consolo. Sem ela, ficavas sem nada. Que serias tu sem ela? Ainda menos do que és. Amas desesperadamente o calor das lágrimas que te caem no rosto, a única forma de te sentires viva. E tu sabes isso. Sabes que não lutas por nada porque o que está perdido não te podem tirar. E esse é mais um tijolo para juntar a parede da vergonha que te rodeia. Não mereces. Tu sabes isso.

Fugitiva. Amedrontada. Cobarde. Não consegues admitir que tens mais alguma coisa dentro de ti para além do que se vê. Até nisso és o mais triste dos seres. Quando poderias superar-te, ganhar a batalha aos teus medos, derrotá-los de uma vez por todas, o que fazes tu? Quando poderias finalmente vencer, lutar, sacrificar-te, o que fazes? Escondeste. Negas. Rejeitas. Desprezas o que de bom nasce em ti, escondes e retrais o que toda a gente procura. Recusas a existência da única coisa que se aproveita em ti. Sabes isso, mas mesmo assim, insistes. Continuas a ser o que sempre foste, até nas alturas que são menos negras. Nem consegues tirar partido do que é, de facto.

O que andaste a fazer nos últimos anos da tua vida? Pairaste no ar, pairaste por aí, sem objectivos, sem nada que te prendesse. E mesmo assim, acomodaste-te, deixaste ficar, deixaste que fosse, só pelo conforto da apatia, só pelo medo de tirar as correntes. Pairaste pela vida, pela tua e pela dos outros, sem deixar marcas, sem imagens, sem cor, sem memória. O que significou, afinal? Alguma vez quiseste o que tiveste? Alguma vez sentiste o que viveste? Alguma vez choraste por mais alguma coisa que pelo teu conformismo? Alguma vez foste o que dizes que és, só para te convenceres a ti mesma? Não. Achavas que conhecias tudo até aí, crias que nada pudesse fugir ao controlo da tua experiência e da tua sagacidade. Mentira! Não fizeste o que prometeste a ti mesma, mais um erro. Tu sabes isso.

E agora?
O que é isso que tens nas mãos? É aquilo que estavas a espera, não é? É aquilo do qual fugiste anos a fio, mas que agora te cercou, te emboscou, e não te deixa em paz. É aquilo que tirou todas as correntes, aquilo que te mostrou o que não conseguias ver, o que nem sabias que poderias suportar. E não podes.
Porque és fraca e vulnerável. Porque te adoenta, e te mata, e te consome, e te enlouquece, e te inebria os sentidos, e te faz querer mais. E sentes que não sabes viver para além disso, sentes que não pensas em mais nada, que não vês mais nada, que não sabes o que é nem donde veio, mas sabes o efeito. Sabes o que provoca. Sabes que te enlouquece, sabes que te dói. Sabes que te dói mais do que mil fantasmas, mais do que mil amarguras, mais do que mil sombras do passado, mais do que mil terramotos e tufões que possam existir dentro de ti. Porque isto existe, isto é real. Sabes que é mais forte, que é mais, que não acaba. Só não sabes de onde veio. Nem para onde vai, e aqui termina o conforto da tua dor tépida, porque chega algo superior que te atira por terra e te deixa sozinha no meio do ardor, do calor, da loucura. Chega o que de alguma forma esperavas, como uma utopia, como inatingível, mas que nunca pensaste que aguentarias. E não aguentas. E não respiras, e não dormes, e não vives. Sentes. Mas nem mostrar consegues, nem fazer ver que estás no limite, que tudo te pesa, mais!, que amas o que sentes e amas o nome por que chamas. Tu sabes.
Porque és fraca, inutil, disparatada, descaracterizada.




AS

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