quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A Hormona que anda no Ar

Quantas vezes se pode real e verdadeiramente afirmar que um dia, um dia específico, aquele dia normal, igual a tantos outros, é o dia que muda o rumo das coisas? Quantas vezes se pode dizer com fundo de pura verdade que o dia, comum a tantos outros, é o dia em que a visão do mundo muda substancialmente? Quantas vezes se pode afirmar tal sentença e ter realmente consciência disso?

Muito poucas.

É extremamente raro acordar-se e o céu estar roxo. Ou haver uma revolução em marcha. Ou ter caído uma nave espacial no jardim municipal. Ou um avião. Assim como é raro morrer alguém extraordinário e o globo todo se curvar respeitosamente perante a sua memória ; quer dizer, morrer alguém extraordinário morre todos os dias e deixam devastados quem com eles conviveu, apenas infelizmente nunca o mundo fica a conhecer o quão excepcional foi esse homem ou essa mulher, e perde-se a “magia” e uma oportunidade de mudar o mundo porque a dor e a admiração sofrida fica dentro dos corações dos mais próximos. Quantas vezes acontece o que não se esperava, o que não se queria, o que não se pensava, mas que afinal muda tanta coisa, faz pensar e refazer caminho, com a perspectiva que nada mais voltará ao que antes era?
Quantas vezes acordaram os habitantes dum rectângulo à beira do mar, e tiveram uma revolução no meio da praça, heróis nunca esquecidos, flores vermelhas no chão, nas mãos, nas armas? Uma só vez, e a vida nunca mais foi a mesma. Mudou e seguiu um novo rumo.

Quantas vezes mais se poderá repetir um momento tão único como aquele? Repetir, com o mesmo propósito, nunca mais, acções comemorativas e festejos não contam, o espirito é que se perpetua em tudo o que o acontecimento tocou.
E se um dia qualquer pudesse ser um destes dias em que se muda até a cor do céu?
Poderá ser hoje?

Uma visão romântica, a tocar o lamechas, já, distorcida de nuvens cor de rosa e chupa-chupas coloridos diria que sim, a presunção e a vaidade intrínsecas a este tipo de pensamento ordenaria acordar, um dia, vir à janela, inspirar fundo como se quisesse aspirar o pó do ar circundante, seguido de uma berraria de felicidade contagiante e pegajosa de um dia que é o primeiro do resto de um existência, há uma nuvem que se põe no céu num posição fofinha e logo muda ( ou tem que mudar ) o globo.
A culpa deve ser de alguma hormona que anda no ar. Ou daquelas literaturas que abundam nos escaparates das livrarias e que servem para oferecer às tias, que se está em crise também na imaginação, livros esses que ensinam a canalizar as energias negativas e a respirar alegria e positivismo, euforia e entusiasmo, a vomitar boa disposição quando o tecto está a arder, a chatear os vizinhos com simpatia e melaço, tanto que todos os dias são bons para mudar o mundo porque há que fazer a diferença e implementar coisas positivas, não há quem cale este gajo, não há quem lhe de uma bofa nos dentes, raios partam os malditos livros de auto-ajuda.

Poderia ser mesmo hoje o dia que desvia o rumo inicial das coisas?
Se for mesmo hoje, quando começamos a sentir os efeitos?
Lá longe, que a preguiça é a madre de todos os vícios e o mundo, nisto, não escapa à excepção.

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