As ruas serpenteavam pelo campo a perder de vista. Apertadas e irregulares, eram caminhos perdidos que levavam aos muros altos, rodeados pelo interior de pequenas casinhas. As casas eram baixinhas, de pedras de todas as cores. Não tinham portas nem janelas, só fotografias, e nomes, e datas a enfeitar as suas paredes. Os ornamentos eram muitos e de muitas espécies ; abundavam cruzes, figuras aladas, os memoriais de saudade, as frases feitas gravadas na pedra numa tentativa de originalidade falhada. As imagens das pessoas que lá moravam lembravam como em tempos tinham sido, como que a eternizar a vida que já não tinham, a recordar aos que ainda viviam aquilo que um dia serão. As ruas apertadas, feitas de pedra irregular, faziam tropeçar os desatentos, fazendo perder os distraídos na amalgama de casinhas que se estendiam a perder de vista, à primeira vista todas iguais, depois já todas diferentes que se em vida se distinguem pelas moedas na carteira, na morte não é diferente e há que zelar para que a diferença perpetue.
As ruas serpenteavam pelo campo a perder de vista, como uma cidade silenciosa, em que os habitantes, também eles silenciosos, nunca saem de casa, nem sorriem quando são visitados, nem vêem quem lá vai, nem falam quando alguém ajoelha junto deles e reza, ou pergunta simplesmente, porquê.
As mulheres trazem baldes, esfregonas e panos, flores e água para lavarem as casinhas. Nem no fim se pode estar porco, há que manter a imagem e a dignidade em todos os momentos, até na morte. E limpam, lavam tudo, mudam as flores, cortam as ervas daninhas à volta da casa. No rosto, a expressão vincada da resignação. Sem lágrimas ou esgares de dor, as mãos lavam a sujidade da casinha como quem limpa o pó de uma estante, os gestos repetidos vezes e vezes, sempre com a mesma expressão, a vida continua, a resignação continua, há que viver para continuar a dizer a vida continua, irónico é que seja dita numa rua cheia de casinhas em que a vida não vive mais.
Quando tudo finalmente está limpo, imaculado, vão as mulheres embora, levando os instrumentos de limpeza consigo, agora que o trabalho está feito, agora que aquilo que choraram não é mais do que um gesto de estagnação e conformismo, a dor que sentiram não passa de uma gaveta fechada, a mágoa dá lugar à vida que continua e por isso vêm limpar a casinha que fica quando a vida continua para os outros.
Há uma, casinha entenda-se, como as outras, ornada e limpa, cheia de flores e inscrições de saudade, uma que guarda o nome herdado. Guarda consigo os nomes, as fotografias, as datas, as cruzes e as figuras aladas. A resignação de quem a limpa é a mesma das mulheres com as esfregonas e os panos, as lágrimas há muito que secaram e deram lugar ao lugar comum da vida que continua. Para quem herdou o nome exposto à entrada da casinha, o silencio mantém-se dentro do serpentear das ruas que terminam nos muros altos. A vida que não existe parou ali.
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