quinta-feira, 20 de setembro de 2007

O Adeus às Virgens

Quando se perde a inocência? Quando se deixa de ver o mundo com olhos de criança? Quando se deixa para trás um historial de ideias coloridas? Qual é o momento exacto em que tudo ganha contornos desconhecidos? Qual é o instante em que se perde o que sempre se teve para ter uma imagem real da vivência? Quando se perde a inocência para começar a contar com o ovo nos confins da galinha?

Num banco traseiro de um carro, num sofá que range, numa cama que chia, numa esquina escura em que ninguém passa? Ao tropeçar e cair nos buracos, ao ver os outros cometer erros, ao observar a órbita do planeta, ao sofrer na pele os arrepios da ilusão? Quando é? Qual é o momento? Qual é o instante decisivo em que a perspectiva muda e passa a ser menos colorida, menor terna, menos boa? E tem necessariamente de ser assim? Tem necessariamente que ser negativo, de ser pesaroso, de ser mau? Tem obrigatoriamente de se deixar de ver o mundo como ele é? Tem obrigatoriamente de se preterir uma imagem que se tinha?

Quando se perde a pureza? Quando se acredita? Ou quando se deixa de acreditar? Quando se vê a luz? Ou quando esta se apaga? Quando se perde a inocência? Quando se diz adeus? Quando se deixa para trás o que foi? Ou quando se olha para a frente e se abraça o que se vê?

Quando se deixa de acreditar no que deve ser bom? Quando se vê o mal, ou quando se vive esse mesmo mal? Também se perde a inocência sem viver, só a observar e a criar dogmas pela vida alheia? Ou tem que se viver para saber o que é, de facto?

O que é a inocência afinal? A capacidade de acreditar sem limites que aquilo que venha pode ser recebido de braços abertos? A crença de que corre tudo bem? A faculdade incondicional de ver sempre que se é capaz de fazer alguma coisa? O facto de não ver o que é mais óbvio? Ou o facto desse factor falhar indubitavelmente? É-se inocente quando não se quer ver que o mal existe? É-se puro quando não se vê, ou quando não se quer ver? Isso não implica ser cego, em vez de puro, inocente? Onde começa e acaba a ideia abstracta de inocência? Na vivência, ou no tempo que se dedica a penar no que se vive?

E essa inocência, existe de facto, como um dado inato? Todos nascem inocentes? Todos nascem incapazes de usar preto e banco na tela da experiência? Ou já se nasce com a capacidade, de saber não prever de antemão, saber o que vem, e simplesmente escolhe fingir-se que não existe? É uma escolha ou não se tem essa faculdade, de todo? E porquê? Porque é não se nasce com a capacidade de discernimento que a falta de experiência vem colmatar? Será necessário ter que passar pelo vale das sombras para se conseguir ver a luz? Ou já é possível ver a luz, carregando apenas no interruptor, sem mais esforço, sem mais sacrifício?
Quando se perde a inocência, perde-se o que nunca se teve?
AS

1 comentário:

Fátima disse...

...
you've left me speachless