domingo, 16 de setembro de 2007

As Duas Palavras

Acordei assim, hoje. Queria escrever tudo. Tenho vontade de escrever. Mas não me sai nada. Queria mostrar o que vai aqui, mas não consigo. Tudo me parece pequeno demais para abarcar o que tenho. Parece-me tudo minúsculo, e nada do que vejo, penso, sinto, choro e rio cabe em lugar algum. É tudo demasiado curto, demasiado vulgar, demasiado visto, muito pequeno para encaixar o que tenho vontade de escrever.
Mordo mil pontas de canetas, rasgo folhas de papel, como se tivessem culpa da minha falta de inspiração. Não me sai nada. Não escrevo uma única palavra. Fica tudo cá preso, como que enguiçado. Não consigo pôr nada cá fora. Tudo acumulado, cresce uma grande espiral, um enorme turbilhão, gigante, cheio de cores e formas, que aumenta sem parar. Cresce uma angustia no peito, não consigo fazer com que passe. Porque não me sai nada.
Obviamente que há alguma coisa de errado. Pessoas normais exprimem-se sem problemas, não tem nada por dizer, quando têm vontade, abrem a boa, e questão encerrada. Tenho vontade de dizer, mas não digo. Queria escrever tudo hoje, também não sou capaz. Tenho tudo cá dentro amontoado, tudo encalacrado, tudo a fazer um peso incrível no peito, nada sai cá para fora.
Tenho vontade de gritar. Mas o som fica preso na garganta, as cordas vocais paralisam, os lábios não obedecem. Tenho vontade de escrever, mas nada do que passo para o papel fica espelhado do que sinto. Fica sempre demasiado aquém, demasiado pequeno. Não demonstra minimamente o que pretendo, nem nada do que tenho. Porque o que tenho é tão maior, tão mais forte, tão pesado, tão gigantesco … Também não é por dizer ou escrever que alivio o que quer que seja. Só tinha vontade de o fazer.
E hoje acordei assim. Com vontade de escrever, mas sem conseguir desenhar uma única letra que leve ao caminho que quero tomar com as minhas vontades. E porque tudo fica muito aquém, muito pequeno, com uma imagem tão reduzida, tão diminuída do que afinal é a realidade, deixo-me ficar. Deixo que volte tudo cá para dentro, recolha as garras e se enrosque a dormir. Deixo-me ficar e não escrevo nada do que queria ter escrito. Ou será que afinal escrevi?
AS

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