terça-feira, 23 de novembro de 2010

Quando era mais nova, mesmo no auge da idade do armário, aquela bela fase em que tudo é negro e sem fim, em que tudo parece uma tragédia grega, em que tudo é mau e os outros são uns monstros vindos do pior dos filmes de terror, pensava, absolutamente crédula e convicta, que teria de esperar que toda a gente morresse para poder, finalmente, guiar a minha existência como muito bem entendesse.
Porque os outros, os que me rodeavam, tinham as suas próprias crenças, as suas ideias fixas e não permitiam que pensasse pela minha cabeça, que quisesse fazer o que queria, que decidisse por mim e quisesse governar minha pessoa e bens como me desse na tola, seguindo os meus ideiais e as minhas convicções, aplicando unicamente os meus princípios, caminhando somente à luz do meu próprio sol.
Porque os outros, esses ogres dos costumes medievais, insistiam que a modernidade era coisa que não se devia sequer pensar, quanto mais aplicar, e que teria eu de fazer exactamente como os seus avós fizeram se quisesse ter uma vidinha decente.
Porque os outros, os velhos do Restelo, não queriam fazer mais nada da vida a não ser infernizar a minha existência, oprimindo-me com ideiais e teorias que não me pertenciam, querendo convencer-me que eles é que sabiam, que só queriam o meu bem, e que eu, inimputável dum raio, não servia para mais nada a não ser para ser uma ingrata e uma estúpida que nada sabe da vida.
E assim percebi, naquela altura, que não havia outra hipótese a não ser esperar que suas vidas tivessem o fim natural para, finalmente e em grande esplendor, as correntes que me prendiam às crendices dos outros desaparecessem com eles.



Não podia estar mais enganada.


Penso, absolutamente crédula e convicta, que tenho de matar toda a gente para poder, finalmente, guiar a minha existência como muito bem entendo.

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