Uma força para-popular tem o costume de dizer que existem 3 coisas na vida de uma mulher : a mala, os sapatos e a melhor amiga.
Conclusões sobre a futilidade plantada na frase à parte, apetece dizer que para além da estupidez crónica estampada, não só em quem em inventou, como também a mesma estupidez de quem pega nela e a comenta para o povo e as crianças verem, apetece mesmo mandar vir.
Apetece dizer que, assim como os chapéus, malas há muitas e são verdadeiramente importantes quando se tem alguma coisa para lá guardar, senão um saco de compras serve muito bem.
Apetece dizer que sapatos são uma perdição, um vício, investimento enorme em objectos que têm como objectivo primordial serem arrastados pelo chão, pisando toda a espécie de porcaria. Gasta-se uma fortuna em coisinhas tão giras, que encaixam perfeitamente nas extremidades inferiores do corpo, como se nunca de lá tivessem saído, para depois levá-los por caminhos sinuosos e estradas de terra batida, cheios de lama e lixo, gastar a sua linda cor e formato em andanças de todos os dias, sem nada para contar a não ser os riscos no verniz, que ficam como cicatrizes, para lembrar ao dono os trambolhões que já deu. Ou então, sapatos que se compram para usar uma vez na vida e ficam a encher-se de pó numa caixa que nunca mais verá a luz do dia, no fundo do armário, desperdiçando o dinheiro gasto e o tempo bom que poderiam ter passado nos pés de quem, por uma vez, corria o trilho do sol.
Apetece ainda dizer que a melhor amiga é fraude eufemística. Se algum dia existiu, morreu algures, não se sabe bem onde. E quem veio para lhe tomar o lugar, também se esqueceu de qualquer coisa num sítio longínquo e voltou atrás para a ir buscar.
De maneira que o caminho que se trilha é com saco de compras sem nada lá dentro, com uns sapatos lindos no meio do entulho e sem ninguém para fazer companhia, porque antes andar contra o vento sozinho do que passear alegremente entre plantas carnívoras.
Os acessórios de moda e a pessoa amiga não fazem a vida de mulher alguma. Quer dizer, em alguma medida, até podem fazer, mas mesmo existindo e tendo a importância que se lhe quiser dar, não contam como existência fulcral.
Falta o essencial que não cabe na mala, nem ajudam a estrada a ser menos acidentada, nem fazem conversa de confidencia e confiança com ninguem. Ou é suposto estes 3 elementos trazerem o essencial? Não seria isso reduzir a vida de uma pessoa a um espectro de futilidade? Onde fica o resto, no meio desta premissa descabida, em que nada mais cabe senão o que se tem na mão, nos pés e ao lado? E para quem caminha num trilho que não este, qual é a alternativa para a estacão?
Sem querer ocupar o lugar de quem se entretenha a pensar longamente sobre as circunstâncias da vida feminina e a parir frases tão eruditas como esta, diria que as 3 coisas na vida de uma mulher se resumem a uma só : paz de espírito.
Porque a paz de espírito enche uma mala inteira e nunca pesa no ombro.
Porque a paz de espírito permite manter os sapatos limpos durante a travessia dolorosa e desgastante.
Porque a paz de espírito substitui por milhões de vezes a presença de outra pessoa.
E porque, depois de chegar a paz de espirito, há mais tempo e disposição para apreciar a mala, sapatos e a conversa com amigos.
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