sábado, 1 de dezembro de 2007

A Carta V

Cara Amiga :

Sinto-me gorda, pesada, disforme. Não estou em mim, não estou na minha melhor forma. Estou fora dos meus padrões, fora da minha linha.
E não estou a gostar. Não estou a gostar mesmo nada. Detesto ver-me assim ; pior, não consigo ver-me nem fazer-me mais pequena. Estou enorme.

Não consigo deixar de comer abundantemente. Não consigo parar para pensar que posso estar a seguir um caminho sem saída possível ; só penso que será, com toda a certeza, uma fase, que passara algum dia, enquanto me afogo em pacotes de bolachas e batatas fritas. Porque as calorias trazem-me o calor interno que perdi há muito tempo. Porque enquanto estou a comer não penso no que verdadeiramente incomoda, mas no que é também verdadeiramente importante ; deixo de ver o que me dói ver, deixo de sentir o que não queria sentir. Deixo, simplesmente, de viver para passar a comer, e comer passa a ser a minha vida.

Porque há coisas que demoram a ser esquecidas. Há coisas que custam a ser digeridas. Há coisas que doem. Tal como a comida mal mastigada custa a engolir, também factos existem que não se desvanecem só porque se decide fingir que eles não constam. Há coisas que martelam o espírito, que não o deixam em paz. E o espírito tem ligação directa com o estômago, e por isso como. E pensar nestas coisas que não quero pensar nem ver faz-me ter vontade de comer. E como. Desenfreadamente.

Tens-me pesada, cara amiga. Muito pesada.

Cumprimentos,

Aquela que te atura.



AS

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