quinta-feira, 17 de junho de 2010

Pausa Para Almoço

Estava eu, sugadita, sentada no café do costume, a ler um livro duvidoso e a fumar 37 cigarros de um assentada quando entram aquelas duas aves raras e se sentam, não se está mesmo a ver, mesmo na mesa ao lado, que espaço é coisa que escasseia num café vazio, e não havia outra alternativa, vamos mas é chatear a gaja que ali está, também não tem ar de quem esteja a fazer grande coisa, por isso olhe desculpe lá se temos rabos muito grandes a obrigamos a encolher-se para nos podermos sentar, enfim, a sina costumeira de quem passa a hora de almoço em cafés perto de liceus.
Andam sempre os dois, tão fofos que eles são, o gordo sinistro, com uma crista de galo pintalgada na ponta e umas 30 mil correntes em volta das calças, e o puto giro que em tempos achava que devia ser filho da dona do estabelecimento,mas afinal parece que não, os dois tão parvos quanto a idade permite, benza-os deus, que tolice é o que não falta à juventude, que eu já sou velha e aos velhos são permitido comentários sobre a decadência das novas gerações.
Eis senão quando o gordo com a mania que é punk abre a sua bocarra de dentes podres e deixa sair o maior e mais poderoso arroto que alguma vez ouvi, ouvi eu e quem estava a 10 km de distância, não me admirava nada se se tivesse ouvido tal fenómeno lá para os lados da Vila Velha, tendo quase a certeza que as fundações do Palácio da Pena tremeram e nunca mais serão as mesmas depois de semelhante abalo sísmico. Não contente com a façanha, volta a repetir, nem sei como não saíram dali fagulhas, qual fogo de copas, ou um vento incendiário qualquer, desta vez com a plena noção e certeza que foi o Palácio de Queluz que sofreu as consequências nefastas do trânsito estomacal daquela besta.
Olho em volta, para tentar perceber se fui apenas eu que senti tamanho abalo e disparo sonoro, não fosse o som das vuvuzelas macacas do jogo que passa na televisão ter afectado permanentemente a minha audição, quando percebo que ninguém sequer pestanejou, nem sequer virou a cabeça para perceber quem havia arrotado com tamanho escarcéu, e constato, com alguma tristeza, diga-se, que estavam presentes velhotes em número considerável que perderam uma bela oportunidade de dizer, como só eles sabem, esta geração está perdida.
Logo a seguir, atrás do balcão, alguém se lembra de partir um copo, ou um prato, ou vários, não interessa, alguma coisa de vidro foi dar um beijo ao chão e não aguentou o impacto. Foi o rebuliço, toda a gente se sobressalta, viram-se todos para ver, alguns até se levantam para ver melhor, comentando o acontecimento, qual ovni que tivesse aterrado numa mesa do centro da sala.
Mais alguém repara no surrealismo?

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