Irritam-me as pessoas que imaginam a vida como um mar de rosas e romantismo.
Irritam-me que sejam incapazes de perceber que raramente existem zonas brancas ou pretas e que mais existem zonas cinzentas do que qualquer outra coisa, zonas em que a complicação e o desastre vêm ao de cima, zonas em que não há qualquer controlo sobre coisa nenhuma.
Irritam-me as pessoas que crêem piamente que um pouco de amor e um empurrãozinho e tudo se resolve.
Irritam-me porque são incapazes de ouvir que assim não é, porque se recusam a acreditar que o mundo que imaginam possa ser destruído, porque querem desesperadamente acreditar que com boa vontade tudo se faz.
Irritam-me porque acreditam num mundo que não existe. Porque a existir todos seriam felizes, não haveria história triste, nem miséria, nem desgosto ou desespero.
Irritam-me as pessoas inocentes porque virgens de alma, ainda têm o que já foi perdido.
Mas irritam-me sobretudo porque insistem em querer fazer vingar princípios que se conhecem em teoria mas que na prática nunca viram a luz do dia.
Irritam-me porque caminham alegremente sobre vidros partidos, sobre brasas rubras e mesmo assim teimam em dizer que o amor é a salvação.
Irritam-me porque a existência não é um romance de Nicholas Sparks, nem eles são o Dumbledore, que acreditava que o amor salvaria o mundo mágico, nem a boa fé é muito mais que um princípio de direito.
Esquecem-se que há sempre alguém que morre de cancro num livro do autor citado, que o amor a que Dumbledore se refere é de facto o sacrifício e que não há ninguém com boa fé em coisa nenhuma.
Esquecem-se que a fé que depositam nos outros é um trampolim para o vazio.
Esquecem-se. Ou não sabem. Ou fingem não saber.
Irritam-me as pessoas que acham que tudo correrá inevitavelmente bem só porque sim, que se recusam a ver as armadilhas na frente, recusam a acreditar que as zonas cinzentas existem em grande maioria e em detrimento das pretas ou brancas.
Os princípios nem sempre funcionam em todas as situações. Porque são pretos ou brancos e o caso concreto é cinzento.
Não há pacta sunt servanda. Ou sequer bona fides.
O que há ... Não sei o que há.
Há o que as pessoas fazem, o que são. E o que são e fazem nunca é linear. É confuso, é complexo, é abstracto, raras vezes bom.
Não são estas palavras de amargura; são palavras do que há, do que é. Foram fortalezas que protegeram da tempestade e não deixaram cair em tentação de ver o mundo e acreditar nele. Reflectem não o que se sente, mas o que existe lá fora, que é feio e negro, que é podre e arruinado.
Irritam-me as pessoas que imaginam a vida como um mar de rosas e romantismo porque talvez, só talvez, chegue o dia em que entendam que tal não existe.
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