terça-feira, 11 de maio de 2010

Bad Hair Day

Há coisas que não fazem sentido nenhum.
Se calhar até fazem mas sou incapaz de as conceber, pelo menos, da maneira como são feitas.
Anda tudo em polvorosa por causa da vinda do Papa.
Dão tolerância de ponto, arranjam missas no Terreiro do Paço, condicionam o trânsito na capital, metem toda a polícia que têm na rua a tomar conta do senhor.

Não percebo.

Caso ninguém tenha percebido, este é o ano de centenário da República.
Ou não tinham dado por isso?
E o que é que a República nos deu, para além de um Presidente?
Ahh, pois, a Laicidade do Estado.
Ou também não tinham reparado?

Ou não sabem o que é Laicidade?
Separação do Estado e das igrejas, o que traz (ou não) a liberdade de culto, em que cada um professa o que quer sem chatear os outros.

Artigo 41º da Constituição da República Portuguesa
(...)
4. As igrejas e outras comunidades religiosas são separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto.


Ora vamos lá esmiuçar.

Já sabemos que Laicidade que dizer separação do Estado e das igrejas.
Quer dizer que o Estado não promove este tipo de coisas.
Ou, pelo menos, em teoria não promove, sob pena de quebrar um princípio sob o qual assenta.
Quer dizer que o que as igrejas queiram fazer é lá com elas, não tem o Estado que participar, nem apoiar nem agir como se desse mais importância a uma igreja que às outras.

Se o Estado não promove nem apoia este tipo de iniciativas, seja de que igreja for, o espalhafato a que se assiste não só é inconstitucional e anti-republicano como não faz sentido absolutamente nenhum, e ainda é um atentado a quem ainda acredita na República e nos seus princípios porque é obrigado a levar com isto a toda a hora.

Na televisão pública, meus caros, paga com o dinheiro dos contribuintes, há um longo desfilar de debates e mostras e um longo desfiar de um rosário que não pertence verdadeiramente a um Estado Laico.
Ontem, o programa Prós e Contras, da RTP, decidiu que a redução do défice em 1% até Dezembro do ano corrente, com as inúmeras medidas que isso pode trazer para o bolso do cidadão comum, não era uma matéria interessante; o que era deveras interessante era discutir a vinda do Papa.
Num programa de interesse geral.
Numa estação pública de televisão.

Ah e tal, mas a maioria das pessoas é católica.

Exacto, porque nunca lhes ensinaram mais nada. E porque lhes ensinaram a não tolerar as outras religiões e a menosprezar tudo o que é diferente.
E, desculpem lá, são católicos porque há tolerância de ponto, se fosse um dia de trabalho normal, ninguém tinha religião. Ou querem convencer-me que os 700 mil funcionários públicos que hoje à tarde estão dispensados vão todos ver o Papa? É já a seguir...
E aqueles que não são catolicos mas pagam impostos como os outros? Têm que levar com esta lenga-lenga a toda a hora, porquê?
Onde é que está a igualdade e o respeito por todos quando uma estação pública de televisão de um Estado Laico transmite sem cessar todos os minutos do Papa em Portugal?

Gostava de saber se quando cá veio o Dalai Lama também houve este escarcéu.
Ou um outro líder espiritual qualquer.
Não, pois não?

Acho triste. Principalmente porque temos um País fundado em princípios que ninguém cumpre.
A República, que caminhou entre nós livremente em Abril, está um bocado mais nua que o costume, hoje.

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