domingo, 1 de fevereiro de 2009

Ele, a Coisa

Numa Casinha cheia de Monstros Civilistas, algures em Lisboa, ensinam que os animais são coisas, objecto de relação jurídica, objectos a que o Direito dispensa um estatuto historicamente determinado para os seres inanimados.
Ensinam que os animais são susceptiveis de ocupação, que podem ser perdidos e achados, podem ser ferozes e maléficos, podem ser selvagens e passear alegremente pela propriedade de outros donos que não os seus.
Ensinam tanta coisa referente a animais, sempre com o estatuto de coisa, como sinónimo de dispensável, de comercializável, de alienção.

Nunca ensinam é que este estatuto só se aplica aos animais dos casos práticos, quando se tem um em casa, as coisas mudam de figura.
Nunca passaria pela cabeça de ninguém considerar o que em casa se conserva para aquecer os pés, e aqui o aquecedor fica excluído, como mera coisa, como coisa maléfica, feroz, que pudesse ser vendido e doado como se de um par de chinelos se tratasse.

Assim não é.
Os animais são, juridicamente, coisas. Mas no que aos assuntos afectivos que os donos dessas coisas têm com as mesmas coisas, não o são.

São família.

São amigos.

São partes indispensáveis ao equilíbrio emocional.

São parte. Parte da pessoa, de quem os vê crescer, de quem cuida deles, de quem observa todos os movimentos, desde que são pequenos e mal se equilibram nas patas, até serem grandes e entrarem e saírem de casa sem dar cavaco.
Parte da pessoa que se afeiçoa à coisa que dorme de barriga para cima em qualquer canto onde bata o sol, parte da pessoa que lhes limpa o vomitado da carpete da sala, parte da pessoa que os persegue de vassoura na mão quando vão roubar o bife que serviria para o almoco.
Parte da pessoa que tem sempre a companhia do bicho-coisa que pressente a tristeza e vem sentar-se ao pé do triste, parte da pessoa que dorme mais quentinha porque sua excelência resolve fazer da cama sua propriedade, parte da pessoa que era sempre cumprimentada com um miado e um pedido implícito de festas quando entrava e saía de casa.

Parte.

Perdi a minha parte de tudo isto.

Foi-me tirada, roubada, vilipendiada.

Perdi tudo isto porque perdi a coisa a quem chamava amigo, a quem chamava família, a quem chamava parte.

Perdi a minha coisa.



2 comentários:

Anónimo disse...

A tua coisa foi feliz enquanto esteve contigo. Muitos não têm essa sorte. Ficam as memórias e a consolação de que pelo menos não o viste a sofrer.

Diligentia disse...

Verdade. Mas n deixa de menos pesado por isso. Nem tive tempo para me despedir.