quarta-feira, 16 de julho de 2008

O Nada de Coisa Nenhuma

- Porquê?
- Não sei responder.
- Se calhar merecia.
- É possível.
- Não sei dizer o que fiz mal.
- É normal, ninguém sabe.
- Queria saber.
- Mas não podes. Contenta-te com o que podes e sabes. Talvez se te tivesses mantido fiel a esta premissa, não estarias assim.
- Assim como?
- Com angústias sobre os porquês. Saberias logo.
- Saberia logo o quê?
- Que não se deve dar um passo maior que a perna.
- Que quer isso dizer?
- Se não tinhas condições, para que te foste propôr a um desafio maior que tu?
- Queria tentar.
- Mas tentar o quê? Tentavas coisas que podias fazer, e não utopias, já não tens idade para as ter.
- Pensei que podia.
- Pensaste mal. Não há tentativas para a normalidade, nem superação do que é medíocre.
- Eu sou medíocre?
- Creio já ter respondido a isso, mesmo que não directamente.
- Sou medíocre, portanto.
- Só de capacidade, de aspirações estás muito acima desse nível.
- Achei que conseguia, pensei que podia dar resultado, dar frutos. Parecia tão fácil...
- Mas já viste que não é, e já devias ter aprendido essa lição anteriormente. Não há facilidades ; ou sabes, e logo, podes, ou simplesmente, podes e não precisas de saber. E tu, nem uma coisa nem outra. Não tens o que é preciso.
- E que sabes tu do que tenho ou deixo de ter?
- Sei mais do que julgas.
- Pois eu acho que não sabes.
- Pois eu acho que sei. Vejo-te todos os dias, há muitos anos. Conheço-te.
- Não sei se conheces.
- Sei que não estás à altura, é só.
- E que sabes tu, afinal? És só um espelho.
- Enganas-te. Não sou só um espelho. Sou mais que isso, sou um reflexo, de ti. Sou o que tu és, o que fazes, ao fim e ao cabo, sou tu.
- Um eu que está convencido que sabe muito, e se afinal eu sou medíocre e nada sei, para nada sirvo, diz-me lá como pode um eu que nada sabe saber tanto afinal.
- Não disse que sabia tudo. Isso não sei.
- Para que serves, afinal? Só para maldizer?
- Se quiseres ver dessa perspectiva ...
- Não és grande ajuda. De facto, não és ajuda de todo.
- Tenho varias aplicações, mas parece-me que ajudar não é uma delas. Mas há mais coisas para fazer do que ficar um dia inteiro a falar com o reflexo no espelho.
- Vai-te foder.
- Como queiras. Mas não querias saber porquê?
- Porquê o quê?
- Não perguntaste porquê ainda há minutos?
- Sim, perguntei. Já me sabes responder?
- Não. Afinal sou só um espelho.




AS

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