Os inocentes são os que mais sofrem. Crédulos, acreditam na primeira bagatela e enfiam o primeiro barrete que vêem na montra. Sofrem porque confiam, porque acreditam, porque crêem e nada pedem em troca senão um mísero troco, em sinal de reciprocidade. Confiam que tudo há de correr bem, que todos são santos e imaculados, incapazes de fazer mal a quem quer que seja, porque a cara de anjo diz tudo sobre quem está à frente dos olhos.
E porque todos os santos são feitos não só de barro ou gesso, mas também de pau, que de vez em quando apanha caruncho e nos saem, afinal, umas boas prendas. Ou, como quem diz, uns belos santinhos, que atendem as promessas todas mas apagam a vela que se acendeu e fazem corninhos ao pedinte assim que ele vira costas. Já que se pode ser santo e ter poderes milagrosos, também de nada custa ser um bocadinho falacioso e mentir, simplesmente, ao pobre, que tão inocentemente crê que vai cair uma moeda no seu chapéu em troca de tão devota peregrinação.
Mas o santo não é parvo, não quer perder dinheiro, e já que se cansou a ouvir a ladaínha do pedinchas ; com a aureola a luzir mais do que a luz do sol, vá de mostrar o céu, as divinas paisagens, as divinas melodias e ser convincente, com a divina cara de pau. E com cantos gregorianos e música de câmara se endromina o pobre, que fica convencido que leva um gigantesco milagre, e afinal, não leva mais que um plácido olhar, de madeira colorida, inerte, vazio, morto.
E o pedinte que acreditou que a face milagrosa seria a verdadeira face do santo, a verdadeira essência, o verdadeiro âmago. Mas, obviamente, não convém nada ao santo mostrar o caruncho por baixo das ricas vestes, ou perderia a clientela de um dia para o outro , e o segredo é a alma do negócio.
E os inocentes são sempre os que mais sofrem. Tudo devido à dita boa fé, nos seus dois grandes e belos pressupostos. O da tutela da confiança está mais que preenchido , é o mesmo que dizer que o pobretanas acreditou na cura milagrosa para o seu problema de pobreza e idiotice conjunta, e ainda se encantou pelo caruncho escondido do dito santo. O problema será preencher a materialidade subjacente, se só há promessas e nada de coisas feitas ; como dar corpo àquilo em que se acreditou? Como transformar em viável, em palpável, como fazer matéria de promessas, que não passam de palavras, de espírito, sem consistência?
O jurista avisado responderia : depende. Se o pobre não sabia do caruncho nas entranhas do santo e por isso não pôde prever a armadilha antes de lá por o pé, há que pensar nalguma forma de o compensar ; chá, bolinhos e uma noite bem dormida é capaz de ajudar. Agora, se o pedinte tinha obrigação de saber que o caruncho come a madeira e que o santo afinal era de pau oco e milagres que é bom, nem vê-los, então, há que ter muita pena na mesma, tente-se pelo chá e pelos biscoitos, pode ser que de resultado.
Também não sabe que o pedinte foi enganado duas vezes. Enganado quando acendeu a vela e pediu milagre ao santo do caruncho, e enganado quando olhou para a cara alva do santo e nela viu santidade.
Há que expiar pecados, alguns dirão.
E porque todos os santos são feitos não só de barro ou gesso, mas também de pau, que de vez em quando apanha caruncho e nos saem, afinal, umas boas prendas. Ou, como quem diz, uns belos santinhos, que atendem as promessas todas mas apagam a vela que se acendeu e fazem corninhos ao pedinte assim que ele vira costas. Já que se pode ser santo e ter poderes milagrosos, também de nada custa ser um bocadinho falacioso e mentir, simplesmente, ao pobre, que tão inocentemente crê que vai cair uma moeda no seu chapéu em troca de tão devota peregrinação.
Mas o santo não é parvo, não quer perder dinheiro, e já que se cansou a ouvir a ladaínha do pedinchas ; com a aureola a luzir mais do que a luz do sol, vá de mostrar o céu, as divinas paisagens, as divinas melodias e ser convincente, com a divina cara de pau. E com cantos gregorianos e música de câmara se endromina o pobre, que fica convencido que leva um gigantesco milagre, e afinal, não leva mais que um plácido olhar, de madeira colorida, inerte, vazio, morto.
E o pedinte que acreditou que a face milagrosa seria a verdadeira face do santo, a verdadeira essência, o verdadeiro âmago. Mas, obviamente, não convém nada ao santo mostrar o caruncho por baixo das ricas vestes, ou perderia a clientela de um dia para o outro , e o segredo é a alma do negócio.
E os inocentes são sempre os que mais sofrem. Tudo devido à dita boa fé, nos seus dois grandes e belos pressupostos. O da tutela da confiança está mais que preenchido , é o mesmo que dizer que o pobretanas acreditou na cura milagrosa para o seu problema de pobreza e idiotice conjunta, e ainda se encantou pelo caruncho escondido do dito santo. O problema será preencher a materialidade subjacente, se só há promessas e nada de coisas feitas ; como dar corpo àquilo em que se acreditou? Como transformar em viável, em palpável, como fazer matéria de promessas, que não passam de palavras, de espírito, sem consistência?
O jurista avisado responderia : depende. Se o pobre não sabia do caruncho nas entranhas do santo e por isso não pôde prever a armadilha antes de lá por o pé, há que pensar nalguma forma de o compensar ; chá, bolinhos e uma noite bem dormida é capaz de ajudar. Agora, se o pedinte tinha obrigação de saber que o caruncho come a madeira e que o santo afinal era de pau oco e milagres que é bom, nem vê-los, então, há que ter muita pena na mesma, tente-se pelo chá e pelos biscoitos, pode ser que de resultado.
Também não sabe que o pedinte foi enganado duas vezes. Enganado quando acendeu a vela e pediu milagre ao santo do caruncho, e enganado quando olhou para a cara alva do santo e nela viu santidade.
Há que expiar pecados, alguns dirão.
AS
1 comentário:
A perfeita metáfora do meu passado recente.
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