Dos Incidentes, Pareceres e Vicissitudes várias. Porque "Quando a ralé se põe a pensar, está tudo perdido", lá dizia Voltaire...
quinta-feira, 31 de julho de 2008
Para lá dos Montes ... Literalmente
Em quantos momentos estiveram presentes?
Quantas vezes trauteei estas músicas, dias e dias a fio?
Quantas vezes me lembro da genialidade implícita?
Não tem conta.
Boas Férias.
AS
Live To Tell The Tale
Sectores da vida humana os há que contabilizam a passagem e a contagem dos anos não pelo método dito normal de começar o ano a 1 de Janeiro e terminar a 31 de Dezembro. Para alguns, o ano começa em meados de Setembro, mesmo Outubro, e acaba lá para o verão com paragens a meio para as festividades próprias. Há um buraco entre o verão e os meados de Setembro em que se tenta esquecer o que se passou no que não é o ano civil, mas outra forma de ano qualquer. E em Setembro volta-se para um início que só se deseja que acabe. E assim se vai passando o tempo, entre os anos que não terminam com o reveillon.
Hoje é o último dia do ano.
Acabam-se todas as tormentas, todos os invernos, todas as primaveras chuvosas. Começa o fosso do descanso que dura até ao outono e que vale por tudo, para esquecer as alturas invernosas. Este foi um ano, ou um semi ano, ou o que quer que seja, atípico. Encontros e desencontros, desilusões, traições, desenganos. Ficou o essencial, o melhor, a chuva lavou o que sobrava de ruínas que se foram amontoando, de outras épocas, de outros anos atípicos. Do que partiu não há saudade, dos amargos de boca só sobram um ligeiro travo desagradável. Não há saudades.
Hoje é o ultimo dia do ano.
E o ano que acaba não tem 12 meses, só 9 ou 10. o que cá estava foi-se embora, sem deixar rasto, sem deixar memória, sem história. Mas ficou o que era importante. Realmente importante.
Passou mais um ano. Chega a altura do fosso temporal ; fora com as filosofias e conclusões profundas.
Sobreviveu-se.
AS
Hoje é o último dia do ano.
Acabam-se todas as tormentas, todos os invernos, todas as primaveras chuvosas. Começa o fosso do descanso que dura até ao outono e que vale por tudo, para esquecer as alturas invernosas. Este foi um ano, ou um semi ano, ou o que quer que seja, atípico. Encontros e desencontros, desilusões, traições, desenganos. Ficou o essencial, o melhor, a chuva lavou o que sobrava de ruínas que se foram amontoando, de outras épocas, de outros anos atípicos. Do que partiu não há saudade, dos amargos de boca só sobram um ligeiro travo desagradável. Não há saudades.
Hoje é o ultimo dia do ano.
E o ano que acaba não tem 12 meses, só 9 ou 10. o que cá estava foi-se embora, sem deixar rasto, sem deixar memória, sem história. Mas ficou o que era importante. Realmente importante.
Passou mais um ano. Chega a altura do fosso temporal ; fora com as filosofias e conclusões profundas.
Sobreviveu-se.
AS
sábado, 26 de julho de 2008
A Falta do Dito
Os problemas da humanidade são vários e de vária ordem. Porém, e mesmo que todos fossem enumerados por ordem de importância e gravidade, o que sempre sobressairia seria a falta de chá. E com isto não se quer dizer que faltam as saquetazinhas com ervas, ou os potes coloridos com ervinhas migadas, ou mesmo que há falta de cafetarias a servir a dita beberagem.
A falta de chá, como conceito abstracto e, quem sabe, também indeterminado, pode ser preenchido com todo o universo de características que tornam o ser humano completamente execrável, como a mesquinhez, o egoísmo, a vontade de esborrachar semelhantes, a surdez, a estupidez crónica, a eterna mania de sabedoria inalcançável, a vontade de não fazer nenhum e esperar que caia do céu, a incongruência, a violência, a chico-espertice, a imundice, a sacanice, a filha-da-putice e tudo o que termine em –ice que queira significar o mesmo que vontade de esborrachar semelhantes.
Talvez a tal vontade de esborrachar semelhantes fosse o que melhor define a humanidade e o seu carácter com falta de originalidade, de tão estúpido que é. Mas, a bem da verdade, se se for a ver bem, ter vontade de partir o próximo em pecas nada é comparado com despedaçar, de facto, e seja de que maneira for, o gajo do lado ; ter vontade, ainda é como o outro, pensamentos pouco cor de rosa, por assim dizer, assassinos todos temos e não será por isso que tudo vai parar ao inferno com um letreiro na testa com os dizeres “Eu tenho falta de chá” – e daí, talvez seria uma boa hipótese a colocar ...
O fazer já tem o seu que de actividade superior em relação ao pensar ; já requer um pensamento e subsequentes actos de execução mais refinados. Não deixa de ser uma falta de chá. Andar aqui por andar e, não contente com semelhante façanha, ainda há que arquitectar qualquer coisinha para ver se o outro tropeça e cai numa ramagem de urtigas.
Assim, caminha a humanidade, triste e prisioneira da sua própria natureza infame. A falta de chá acompanha-a sempre, para onde quer que se desloque, juntamente com tudo o que falta de chá quer dizer. No fundo, a falta de chá, associada, entre outros, à vontade de apertar o gasganete a alguém vem do comportamento infantil de querer o que os outros querem e têm. As crianças fazem isso a toda a hora, porque querem o chupa que o puto ranhoso do lado tem, porque querem a boneca que não sei quem tem, porque o fulano tem mais manteiga no pão que eu, porque ele tem e eu não, porque ele tem e não tem nada que ter. A falta de chá começa em tenra idade ; prolonga-se ao longo da vida marcando com as suas tenazes quentes tudo o que se faz, nunca desaparecendo com a velhice e o aproximar da morte.
Já se tem falta de chá em criança, nunca mais se vai deixar de a ter. A maior e pior das maleitas afecta o ser humano desde a idade petiz. Sem cura possível.
Até porque as crianças não gostam, normalmente, de chá.
AS
A falta de chá, como conceito abstracto e, quem sabe, também indeterminado, pode ser preenchido com todo o universo de características que tornam o ser humano completamente execrável, como a mesquinhez, o egoísmo, a vontade de esborrachar semelhantes, a surdez, a estupidez crónica, a eterna mania de sabedoria inalcançável, a vontade de não fazer nenhum e esperar que caia do céu, a incongruência, a violência, a chico-espertice, a imundice, a sacanice, a filha-da-putice e tudo o que termine em –ice que queira significar o mesmo que vontade de esborrachar semelhantes.
Talvez a tal vontade de esborrachar semelhantes fosse o que melhor define a humanidade e o seu carácter com falta de originalidade, de tão estúpido que é. Mas, a bem da verdade, se se for a ver bem, ter vontade de partir o próximo em pecas nada é comparado com despedaçar, de facto, e seja de que maneira for, o gajo do lado ; ter vontade, ainda é como o outro, pensamentos pouco cor de rosa, por assim dizer, assassinos todos temos e não será por isso que tudo vai parar ao inferno com um letreiro na testa com os dizeres “Eu tenho falta de chá” – e daí, talvez seria uma boa hipótese a colocar ...
O fazer já tem o seu que de actividade superior em relação ao pensar ; já requer um pensamento e subsequentes actos de execução mais refinados. Não deixa de ser uma falta de chá. Andar aqui por andar e, não contente com semelhante façanha, ainda há que arquitectar qualquer coisinha para ver se o outro tropeça e cai numa ramagem de urtigas.
Assim, caminha a humanidade, triste e prisioneira da sua própria natureza infame. A falta de chá acompanha-a sempre, para onde quer que se desloque, juntamente com tudo o que falta de chá quer dizer. No fundo, a falta de chá, associada, entre outros, à vontade de apertar o gasganete a alguém vem do comportamento infantil de querer o que os outros querem e têm. As crianças fazem isso a toda a hora, porque querem o chupa que o puto ranhoso do lado tem, porque querem a boneca que não sei quem tem, porque o fulano tem mais manteiga no pão que eu, porque ele tem e eu não, porque ele tem e não tem nada que ter. A falta de chá começa em tenra idade ; prolonga-se ao longo da vida marcando com as suas tenazes quentes tudo o que se faz, nunca desaparecendo com a velhice e o aproximar da morte.
Já se tem falta de chá em criança, nunca mais se vai deixar de a ter. A maior e pior das maleitas afecta o ser humano desde a idade petiz. Sem cura possível.
Até porque as crianças não gostam, normalmente, de chá.
AS
sexta-feira, 25 de julho de 2008
XIV
Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sómente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co'a alma minha se conforma,
Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.
Luís de Camões
Em tanto já se disse uma imensidão. Nunca se diz tudo, mas para quem nunca soube bem descrever o que tinha dentro, por falta de palavras que signifiquem tão grande acontecimento, tão grande sentimento, tão grande existência, alguma coisa haverá. Mais que não seja citar alguém que seja verdadeiramente genial.
Porque é essa a verdadeira essência de se ser genial, é ter sempre o mais indicado escrito e sempre adaptado ao que se vive. É o caso.
Porque o que existe já é de tal forma esplendoroso que só descrito por quem é genial.
AS
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sómente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co'a alma minha se conforma,
Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.
Luís de Camões
Em tanto já se disse uma imensidão. Nunca se diz tudo, mas para quem nunca soube bem descrever o que tinha dentro, por falta de palavras que signifiquem tão grande acontecimento, tão grande sentimento, tão grande existência, alguma coisa haverá. Mais que não seja citar alguém que seja verdadeiramente genial.
Porque é essa a verdadeira essência de se ser genial, é ter sempre o mais indicado escrito e sempre adaptado ao que se vive. É o caso.
Porque o que existe já é de tal forma esplendoroso que só descrito por quem é genial.
AS
quinta-feira, 24 de julho de 2008
Incontornável
Na terra das gentes que têm a mania de dar notinhas a quem os avalia, à laia de tomem lá para ver o que dói, ui que somos todos tão maus, há fenómenos, no verdadeiro sentido da palavra.
Como, senhores, pode um monstro aterrorizador de criancinhas inocentes, que nunca na sua vida soube o que era ser acarinhado por uma mãe, nem amado por um humano que tome banho, pode ter tanta cotação no meio de quem trucida e vilipendia todos os dias???????????????
Ah e tal, chumbou-me, as aulas deles são uma autêntica inquisição, e acho que ele quer que toda a gente baixe a cabeça quando passa no corredor, e ainda disse que eu era reaccionário porque acho que o nascituro não tem tutela, mas até é fixe, e coiso...
Parece que é típico das avós dizerem que o mundo se encontra perdido. A minha diria o mesmo.
Não é possível discordar.
AS
Como, senhores, pode um monstro aterrorizador de criancinhas inocentes, que nunca na sua vida soube o que era ser acarinhado por uma mãe, nem amado por um humano que tome banho, pode ter tanta cotação no meio de quem trucida e vilipendia todos os dias???????????????
Ah e tal, chumbou-me, as aulas deles são uma autêntica inquisição, e acho que ele quer que toda a gente baixe a cabeça quando passa no corredor, e ainda disse que eu era reaccionário porque acho que o nascituro não tem tutela, mas até é fixe, e coiso...
Parece que é típico das avós dizerem que o mundo se encontra perdido. A minha diria o mesmo.
Não é possível discordar.
AS
Quando o mundo vai ver Morcegos ...
quarta-feira, 23 de julho de 2008
quarta-feira, 16 de julho de 2008
O Nada de Coisa Nenhuma
- Porquê?
- Não sei responder.
- Se calhar merecia.
- É possível.
- Não sei dizer o que fiz mal.
- É normal, ninguém sabe.
- Queria saber.
- Mas não podes. Contenta-te com o que podes e sabes. Talvez se te tivesses mantido fiel a esta premissa, não estarias assim.
- Assim como?
- Com angústias sobre os porquês. Saberias logo.
- Saberia logo o quê?
- Que não se deve dar um passo maior que a perna.
- Que quer isso dizer?
- Se não tinhas condições, para que te foste propôr a um desafio maior que tu?
- Queria tentar.
- Mas tentar o quê? Tentavas coisas que podias fazer, e não utopias, já não tens idade para as ter.
- Pensei que podia.
- Pensaste mal. Não há tentativas para a normalidade, nem superação do que é medíocre.
- Eu sou medíocre?
- Creio já ter respondido a isso, mesmo que não directamente.
- Sou medíocre, portanto.
- Só de capacidade, de aspirações estás muito acima desse nível.
- Achei que conseguia, pensei que podia dar resultado, dar frutos. Parecia tão fácil...
- Mas já viste que não é, e já devias ter aprendido essa lição anteriormente. Não há facilidades ; ou sabes, e logo, podes, ou simplesmente, podes e não precisas de saber. E tu, nem uma coisa nem outra. Não tens o que é preciso.
- E que sabes tu do que tenho ou deixo de ter?
- Sei mais do que julgas.
- Pois eu acho que não sabes.
- Pois eu acho que sei. Vejo-te todos os dias, há muitos anos. Conheço-te.
- Não sei se conheces.
- Sei que não estás à altura, é só.
- E que sabes tu, afinal? És só um espelho.
- Enganas-te. Não sou só um espelho. Sou mais que isso, sou um reflexo, de ti. Sou o que tu és, o que fazes, ao fim e ao cabo, sou tu.
- Um eu que está convencido que sabe muito, e se afinal eu sou medíocre e nada sei, para nada sirvo, diz-me lá como pode um eu que nada sabe saber tanto afinal.
- Não disse que sabia tudo. Isso não sei.
- Para que serves, afinal? Só para maldizer?
- Se quiseres ver dessa perspectiva ...
- Não és grande ajuda. De facto, não és ajuda de todo.
- Tenho varias aplicações, mas parece-me que ajudar não é uma delas. Mas há mais coisas para fazer do que ficar um dia inteiro a falar com o reflexo no espelho.
- Vai-te foder.
- Como queiras. Mas não querias saber porquê?
- Porquê o quê?
- Não perguntaste porquê ainda há minutos?
- Sim, perguntei. Já me sabes responder?
- Não. Afinal sou só um espelho.
AS
- Não sei responder.
- Se calhar merecia.
- É possível.
- Não sei dizer o que fiz mal.
- É normal, ninguém sabe.
- Queria saber.
- Mas não podes. Contenta-te com o que podes e sabes. Talvez se te tivesses mantido fiel a esta premissa, não estarias assim.
- Assim como?
- Com angústias sobre os porquês. Saberias logo.
- Saberia logo o quê?
- Que não se deve dar um passo maior que a perna.
- Que quer isso dizer?
- Se não tinhas condições, para que te foste propôr a um desafio maior que tu?
- Queria tentar.
- Mas tentar o quê? Tentavas coisas que podias fazer, e não utopias, já não tens idade para as ter.
- Pensei que podia.
- Pensaste mal. Não há tentativas para a normalidade, nem superação do que é medíocre.
- Eu sou medíocre?
- Creio já ter respondido a isso, mesmo que não directamente.
- Sou medíocre, portanto.
- Só de capacidade, de aspirações estás muito acima desse nível.
- Achei que conseguia, pensei que podia dar resultado, dar frutos. Parecia tão fácil...
- Mas já viste que não é, e já devias ter aprendido essa lição anteriormente. Não há facilidades ; ou sabes, e logo, podes, ou simplesmente, podes e não precisas de saber. E tu, nem uma coisa nem outra. Não tens o que é preciso.
- E que sabes tu do que tenho ou deixo de ter?
- Sei mais do que julgas.
- Pois eu acho que não sabes.
- Pois eu acho que sei. Vejo-te todos os dias, há muitos anos. Conheço-te.
- Não sei se conheces.
- Sei que não estás à altura, é só.
- E que sabes tu, afinal? És só um espelho.
- Enganas-te. Não sou só um espelho. Sou mais que isso, sou um reflexo, de ti. Sou o que tu és, o que fazes, ao fim e ao cabo, sou tu.
- Um eu que está convencido que sabe muito, e se afinal eu sou medíocre e nada sei, para nada sirvo, diz-me lá como pode um eu que nada sabe saber tanto afinal.
- Não disse que sabia tudo. Isso não sei.
- Para que serves, afinal? Só para maldizer?
- Se quiseres ver dessa perspectiva ...
- Não és grande ajuda. De facto, não és ajuda de todo.
- Tenho varias aplicações, mas parece-me que ajudar não é uma delas. Mas há mais coisas para fazer do que ficar um dia inteiro a falar com o reflexo no espelho.
- Vai-te foder.
- Como queiras. Mas não querias saber porquê?
- Porquê o quê?
- Não perguntaste porquê ainda há minutos?
- Sim, perguntei. Já me sabes responder?
- Não. Afinal sou só um espelho.
AS
Etiquetas:
Lado Contrário do Espelho
Na Mesma
E chega um homem, apressado pelas escadas acima, de pasta na mão. Tem na mão uma folha com nomes, que vai lendo, como se anunciasse os números dos porquinhos que vão ser abatidos no matadouro para fazerem deles todas as espécies de iguarias.
É feio, o homem, mirrado, pequeno, de olhos deformados, encaixados atrás de uns óculos ridículos que tentam mostrar alguma modernidade e espirito fashion a quem não o tem.
É pequeno, o homem, as calças compridas demais fazem foles à volta dos tornozelos antes de caírem em cima dos sapatos. E aqueles óculos ... Por detrás deles, estão olhos que só vêem, nem observam, nem vislumbram nada, apenas limitam-se a derramar as suas enormes e demoníacas pestanas nas linhas do papel. Sem nunca as ver, de facto.
E os leitõezinhos entram, um a um. Saem como se nada fosse, iguais ao que eram antes de entrar. Só não sabem é que já não levam as entranhas, foi-lhes tudo extraído, indolor e suavemente. Sem darem conta.
Lá dentro, na sala da matança, um calor infernal. Uma cadeira e uma mesa, umas folhas de papel, livros de pontas gastas. E o homem com uma faca castanha, que não é faca, mas sim caneta, vai fazendo perguntas sem pestanejar os olhos demoníacos. E aqueles óculos ...
E no fim, vai o homem com o mesmo papel, falar do que fez aos leitõezinhos. No fim é que se percebe como a caneta se transformou em foice e esventrou os estômago cor de rosa, e fez o sangue escorrer mesa abaixo, formando um rio de quilómetros.
E os porquinhos saem de lá, cor de rosa como sempre. Mas sem nada lá dentro.
Aqueles olhos, aqueles óculos, ficam como se nada fosse. O vermelho do sangue reflectem-se neles, ou então talvez não seja isso, talvez o brilho vermelho lá tenha estado sempre, só que ninguem o viu antes, até àquela hora.
E vai-se embora o homem.
Ficam os leitões a olharem estupidamente uns para os outros, cor de rosa e com os focinhos estúpidos a farejarem em volta.
Mas o homem já lá não está. Foi subir a bainha das calças.
É feio, o homem, mirrado, pequeno, de olhos deformados, encaixados atrás de uns óculos ridículos que tentam mostrar alguma modernidade e espirito fashion a quem não o tem.
É pequeno, o homem, as calças compridas demais fazem foles à volta dos tornozelos antes de caírem em cima dos sapatos. E aqueles óculos ... Por detrás deles, estão olhos que só vêem, nem observam, nem vislumbram nada, apenas limitam-se a derramar as suas enormes e demoníacas pestanas nas linhas do papel. Sem nunca as ver, de facto.
E os leitõezinhos entram, um a um. Saem como se nada fosse, iguais ao que eram antes de entrar. Só não sabem é que já não levam as entranhas, foi-lhes tudo extraído, indolor e suavemente. Sem darem conta.
Lá dentro, na sala da matança, um calor infernal. Uma cadeira e uma mesa, umas folhas de papel, livros de pontas gastas. E o homem com uma faca castanha, que não é faca, mas sim caneta, vai fazendo perguntas sem pestanejar os olhos demoníacos. E aqueles óculos ...
E no fim, vai o homem com o mesmo papel, falar do que fez aos leitõezinhos. No fim é que se percebe como a caneta se transformou em foice e esventrou os estômago cor de rosa, e fez o sangue escorrer mesa abaixo, formando um rio de quilómetros.
E os porquinhos saem de lá, cor de rosa como sempre. Mas sem nada lá dentro.
Aqueles olhos, aqueles óculos, ficam como se nada fosse. O vermelho do sangue reflectem-se neles, ou então talvez não seja isso, talvez o brilho vermelho lá tenha estado sempre, só que ninguem o viu antes, até àquela hora.
E vai-se embora o homem.
Ficam os leitões a olharem estupidamente uns para os outros, cor de rosa e com os focinhos estúpidos a farejarem em volta.
Mas o homem já lá não está. Foi subir a bainha das calças.
AS
sábado, 12 de julho de 2008
O que diz a Perfeição
Nem tudo é perfeito, mas ...
Por mais que se tente nem sempre existem videos condicentes com a música que se quer ouvir, ou pelo menos, videos "originais", por assim dizer, feitos pela banda para a música... da banda.
Andei com esta música no ouvido tantos dias, não podia deixar de a colocar em destaque, tinha de ser, tinha, de alguma forma, de lhe dar relevo.
Interessa, acima de tudo, a melodia.
Porque é perfeita.
Who's there knocking at my window?
The owl and the Dead Boy
This night whispers my name
All the dying children
Virgin snow beneath my feet
Painting the world in white
I tread the way and lose myself into a tale
Come hell or high water
My search will go on
Clayborn Voyage without an end
A nightingale in a golden cage
That's me locked inside reality's maze
Come someone make my heavy heart light
Come undone, bring me back to life
It all starts with a lullaby
Journey homeward bound
A sound of a dolphin calling
Tearing off the mask of man
The tower, my sole guide
This is who I am
Escapist, paradise seeker
Farewell, now time to fly
Out of sight, out of time, away from all lies
A nightingale in a golden cage
That's me locked inside reality's maze
Come someone make my heavy heart light
Come undone, bring me back to life
It all starts with a lullaby
Nightwish, The Escapist
AS
quinta-feira, 10 de julho de 2008
Pratinho Meu
Há gente que nunca abandona quem lhe é fiel. É o caso, aplica-se plena e completamente.
Porque se há dias difíceis, há músicas inesquecéveis, que fazem tudo ir com o vento.
AS
O Dano
Justificar a violência domestica como efeito dramático de estado alucinogénio provocado pelo vinho, ou como frustração porque o Benfica perde, é coisa que já vai passando de moda.
Primeiro, porque quem anda bêbedo anda na sua, quem é curtir a telha que leva, quer lá saber de quem vive na mesma casa. Depois, porque o futebol avermelhado anda mal de saúde há alguns anos a esta parte, infelizmente, se me perguntarem.
Mas, e deixando de comentários pouco idóneos, nem por isso o problema desaparece da realidade de muita gente. Não se trata apenas de umas ligeiras bofas que vão e vêm, que é o cúmulo de tudo, mas haverá outras formas de violência, outras formas de magoar, sem ser preciso levantar a mão. Agressões existem que doem mais com o olhar que as acompanham do que se fossem traduzidas em duas ou três costelas partidas.
E se de repente alguém de lembrasse de simplesmente desandar porta fora, sem dar justificação, um porquê, um já volto não te preocupes, um até já, ou mesmo um adeus até ao meu regresso? E se alguém pegasse nas malas, enquanto o outro está no duche, e saisse à socapa?
Não será também isso uma forma de violência? Não será essa das piores lanças que se espetam na carne, e lá ficam até que apodreça?
E se alguém, tal como as crianças, simples e puramente diz, não quero mais brincar contigo, és uma chata, agora vou à minha vida, e tu toma lá trocos para comprares um chupa? É suposto aceitar o chupa ( não que os miúdos de facto façam isto...) e ficar a assistir, serenamente, enquanto o mundo se desmorona?
Não será isto uma forma de violência que nada tem a ver com o álcool, ou mesmo com o futebol, com a natureza do indivíduo? Ou será explicado pela sacanice no seu estado mais puro?
Quantas feridas destas não existirão? Quantas mossas destas nunca foram parar as urgências do hospital da zona? Quantas lágrimas vertidas à conta de feridas tantas vezes mais profundas que um golpe de mão fechada?
Pode alguém chegar à policia e dizer, olhe faz favor, fui traída na minha confiança, na minha auto-estima, nos meus sentimentos mais profundos, não se importa de prender o cabrão, sr. guarda?
Pode alguém queixar-se e levar a tribunal uma causa de feridas psicológicas causadas pela inconstância de quem não bebe, mas é como se o fizesse?
Poderia enveredar por caminhos pouco interessantes que acabariam necessariamente na noção de danos morais e outras estirpes de danos não patrimoniais, sem nunca conseguir dar uma resposta concreta.
Que espécie de corpo, que espécie de alma aguenta semelhante impacto? Quem suporta ser violentado desta maneira? Que gente suporta tanta bofetada invisível sem nunca poder dizer, acudam, estão a magoar-me? Que gente aguenta um golpe sem mão?
E quando se julgava que não podia ser pior, quando não havia esperança de salvação, quando tudo se julgava perdido e que nada existiria que pudesse vir piorar a situação, que pudesse esfregar mais sal na ferida, eis senão quando se ouve uma chave a girar na fechadura, uma figura surge no limiar da porta, de mala na mão e cara de cão mal comido, a implorar por guarida e um par de braços que o recebam no seu calor. Chega quem se foi embora por já não gostar do que se comia em casa e foi em busca de novos sabores, deixando um troco para chupas. Chega, vindo dos infernos e renascido das cinzas o agressor, mesmo que passivo, o monstro, o violador de almas inocentes, o destruidor de corações puros.
Deixa-me entrar, gosto de ti, gosto tanto de ti.
Que tal, para a estatística de violência no seio das famílias por esse mundo fora? Que dizer desta nova bofetada, deste novo pontapé, do novo golpe que foi infligido sem dó nem piedade?
Problema quando se gosta de quem nos bate todos os dias, ainda com mais força no dia em que se foi embora, muito mais ainda nos dias em que esteve fora, viajando pelo mundo, quando a presença de quem bate se impõe porque ainda sobra algum sentimento.
Mas na verdade, do chupa colorido e saboroso não sobra mais do que o pauzinho, roído e sem sabor.
Gostas. Por isso te foste embora.
AS
Primeiro, porque quem anda bêbedo anda na sua, quem é curtir a telha que leva, quer lá saber de quem vive na mesma casa. Depois, porque o futebol avermelhado anda mal de saúde há alguns anos a esta parte, infelizmente, se me perguntarem.
Mas, e deixando de comentários pouco idóneos, nem por isso o problema desaparece da realidade de muita gente. Não se trata apenas de umas ligeiras bofas que vão e vêm, que é o cúmulo de tudo, mas haverá outras formas de violência, outras formas de magoar, sem ser preciso levantar a mão. Agressões existem que doem mais com o olhar que as acompanham do que se fossem traduzidas em duas ou três costelas partidas.
E se de repente alguém de lembrasse de simplesmente desandar porta fora, sem dar justificação, um porquê, um já volto não te preocupes, um até já, ou mesmo um adeus até ao meu regresso? E se alguém pegasse nas malas, enquanto o outro está no duche, e saisse à socapa?
Não será também isso uma forma de violência? Não será essa das piores lanças que se espetam na carne, e lá ficam até que apodreça?
E se alguém, tal como as crianças, simples e puramente diz, não quero mais brincar contigo, és uma chata, agora vou à minha vida, e tu toma lá trocos para comprares um chupa? É suposto aceitar o chupa ( não que os miúdos de facto façam isto...) e ficar a assistir, serenamente, enquanto o mundo se desmorona?
Não será isto uma forma de violência que nada tem a ver com o álcool, ou mesmo com o futebol, com a natureza do indivíduo? Ou será explicado pela sacanice no seu estado mais puro?
Quantas feridas destas não existirão? Quantas mossas destas nunca foram parar as urgências do hospital da zona? Quantas lágrimas vertidas à conta de feridas tantas vezes mais profundas que um golpe de mão fechada?
Pode alguém chegar à policia e dizer, olhe faz favor, fui traída na minha confiança, na minha auto-estima, nos meus sentimentos mais profundos, não se importa de prender o cabrão, sr. guarda?
Pode alguém queixar-se e levar a tribunal uma causa de feridas psicológicas causadas pela inconstância de quem não bebe, mas é como se o fizesse?
Poderia enveredar por caminhos pouco interessantes que acabariam necessariamente na noção de danos morais e outras estirpes de danos não patrimoniais, sem nunca conseguir dar uma resposta concreta.
Que espécie de corpo, que espécie de alma aguenta semelhante impacto? Quem suporta ser violentado desta maneira? Que gente suporta tanta bofetada invisível sem nunca poder dizer, acudam, estão a magoar-me? Que gente aguenta um golpe sem mão?
E quando se julgava que não podia ser pior, quando não havia esperança de salvação, quando tudo se julgava perdido e que nada existiria que pudesse vir piorar a situação, que pudesse esfregar mais sal na ferida, eis senão quando se ouve uma chave a girar na fechadura, uma figura surge no limiar da porta, de mala na mão e cara de cão mal comido, a implorar por guarida e um par de braços que o recebam no seu calor. Chega quem se foi embora por já não gostar do que se comia em casa e foi em busca de novos sabores, deixando um troco para chupas. Chega, vindo dos infernos e renascido das cinzas o agressor, mesmo que passivo, o monstro, o violador de almas inocentes, o destruidor de corações puros.
Deixa-me entrar, gosto de ti, gosto tanto de ti.
Que tal, para a estatística de violência no seio das famílias por esse mundo fora? Que dizer desta nova bofetada, deste novo pontapé, do novo golpe que foi infligido sem dó nem piedade?
Problema quando se gosta de quem nos bate todos os dias, ainda com mais força no dia em que se foi embora, muito mais ainda nos dias em que esteve fora, viajando pelo mundo, quando a presença de quem bate se impõe porque ainda sobra algum sentimento.
Mas na verdade, do chupa colorido e saboroso não sobra mais do que o pauzinho, roído e sem sabor.
Gostas. Por isso te foste embora.
AS
quarta-feira, 9 de julho de 2008
Oração
Bem aventurados os que acreditam porque todos os seu sonhos serão realizados.
Bem aventurados os que crêem piamente em quem merece confiança porque daí virá um troféu de maior idiota de sempre.
Bem aventurados os pobres de espirito porque deles não é o reino dos céus, de facto, mas a realidade de quem se deixa pisar e ainda pede desculpa.
Bem vindos os que vêm em nome do cinismo ; há sempre alguém que há-de achar que é verdade.
Benditos sejam os que não conseguem dizer a verdade, porque serão eles que se ficam a rir.
AS
Bem aventurados os que crêem piamente em quem merece confiança porque daí virá um troféu de maior idiota de sempre.
Bem aventurados os pobres de espirito porque deles não é o reino dos céus, de facto, mas a realidade de quem se deixa pisar e ainda pede desculpa.
Bem vindos os que vêm em nome do cinismo ; há sempre alguém que há-de achar que é verdade.
Benditos sejam os que não conseguem dizer a verdade, porque serão eles que se ficam a rir.
AS
segunda-feira, 7 de julho de 2008
Self Made Man
O egoísmo é uma coisa terrível. Devia ser considerado pecado capital – agora que está na moda inventar novas formas de prevaricação, deviam pensar em incluir este – se é que não está já no elenco pretendido.
É o mesmo que ter só um olho, um olho que vê para dentro. Juntamente com o egoísmo vem sempre alegremente de mãos dadas uma superior moral que a todos faz sombra. Fazer e acontecer sem olhar a meios e no fim ainda levantar a cabeça e discursar fortemente à moral e bons costumes é algo de extraordinário que muito poucos conseguem.
Ter o telhado da própria propriedade todo em vidro brilhante e, mesmo assim, fazer batalhas de calhaus é de uma atroz inteligência. Seria a conclusão a retirar à primeira vista.
Talvez não. Pode ver-se de outro prisma. Aqui não impera a mania da superioridade moral ou, em português como é falado todos os dias, a grande lata de andar a pregar aos peixinhos tudo o que afinal, não se faz nem tão pouco se respeita o que se diz. O egoísmo leva a uma atitude assim. Porque? Como o único olho disponível é o que se encontra voltado para dentro, não há grande coisa que se possa ver para além da própria magnitude, valor e virtude. Não há que sobressaia para além do que é próprio, não há nada que sobreviva ao olhar atento do mérito do mesmo, e nada mais sobressai. Engraçado ...
O egoísmo também provoca, quanto mais não seja, surdez. Temporariamente incapacitado para usar o pavilhão auditivo, tanto o que se diz como o que é dito, e logo incapacitado de se perceber se o que se diz não é , afinal, a maior das barbaridades.
Não dá para perceber porque se é surdo. E para quem já é cego, ser surdo ou não ser, qual é a diferença?
AS
É o mesmo que ter só um olho, um olho que vê para dentro. Juntamente com o egoísmo vem sempre alegremente de mãos dadas uma superior moral que a todos faz sombra. Fazer e acontecer sem olhar a meios e no fim ainda levantar a cabeça e discursar fortemente à moral e bons costumes é algo de extraordinário que muito poucos conseguem.
Ter o telhado da própria propriedade todo em vidro brilhante e, mesmo assim, fazer batalhas de calhaus é de uma atroz inteligência. Seria a conclusão a retirar à primeira vista.
Talvez não. Pode ver-se de outro prisma. Aqui não impera a mania da superioridade moral ou, em português como é falado todos os dias, a grande lata de andar a pregar aos peixinhos tudo o que afinal, não se faz nem tão pouco se respeita o que se diz. O egoísmo leva a uma atitude assim. Porque? Como o único olho disponível é o que se encontra voltado para dentro, não há grande coisa que se possa ver para além da própria magnitude, valor e virtude. Não há que sobressaia para além do que é próprio, não há nada que sobreviva ao olhar atento do mérito do mesmo, e nada mais sobressai. Engraçado ...
O egoísmo também provoca, quanto mais não seja, surdez. Temporariamente incapacitado para usar o pavilhão auditivo, tanto o que se diz como o que é dito, e logo incapacitado de se perceber se o que se diz não é , afinal, a maior das barbaridades.
Não dá para perceber porque se é surdo. E para quem já é cego, ser surdo ou não ser, qual é a diferença?
AS
Da Boa Fé
Os inocentes são os que mais sofrem. Crédulos, acreditam na primeira bagatela e enfiam o primeiro barrete que vêem na montra. Sofrem porque confiam, porque acreditam, porque crêem e nada pedem em troca senão um mísero troco, em sinal de reciprocidade. Confiam que tudo há de correr bem, que todos são santos e imaculados, incapazes de fazer mal a quem quer que seja, porque a cara de anjo diz tudo sobre quem está à frente dos olhos.
E porque todos os santos são feitos não só de barro ou gesso, mas também de pau, que de vez em quando apanha caruncho e nos saem, afinal, umas boas prendas. Ou, como quem diz, uns belos santinhos, que atendem as promessas todas mas apagam a vela que se acendeu e fazem corninhos ao pedinte assim que ele vira costas. Já que se pode ser santo e ter poderes milagrosos, também de nada custa ser um bocadinho falacioso e mentir, simplesmente, ao pobre, que tão inocentemente crê que vai cair uma moeda no seu chapéu em troca de tão devota peregrinação.
Mas o santo não é parvo, não quer perder dinheiro, e já que se cansou a ouvir a ladaínha do pedinchas ; com a aureola a luzir mais do que a luz do sol, vá de mostrar o céu, as divinas paisagens, as divinas melodias e ser convincente, com a divina cara de pau. E com cantos gregorianos e música de câmara se endromina o pobre, que fica convencido que leva um gigantesco milagre, e afinal, não leva mais que um plácido olhar, de madeira colorida, inerte, vazio, morto.
E o pedinte que acreditou que a face milagrosa seria a verdadeira face do santo, a verdadeira essência, o verdadeiro âmago. Mas, obviamente, não convém nada ao santo mostrar o caruncho por baixo das ricas vestes, ou perderia a clientela de um dia para o outro , e o segredo é a alma do negócio.
E os inocentes são sempre os que mais sofrem. Tudo devido à dita boa fé, nos seus dois grandes e belos pressupostos. O da tutela da confiança está mais que preenchido , é o mesmo que dizer que o pobretanas acreditou na cura milagrosa para o seu problema de pobreza e idiotice conjunta, e ainda se encantou pelo caruncho escondido do dito santo. O problema será preencher a materialidade subjacente, se só há promessas e nada de coisas feitas ; como dar corpo àquilo em que se acreditou? Como transformar em viável, em palpável, como fazer matéria de promessas, que não passam de palavras, de espírito, sem consistência?
O jurista avisado responderia : depende. Se o pobre não sabia do caruncho nas entranhas do santo e por isso não pôde prever a armadilha antes de lá por o pé, há que pensar nalguma forma de o compensar ; chá, bolinhos e uma noite bem dormida é capaz de ajudar. Agora, se o pedinte tinha obrigação de saber que o caruncho come a madeira e que o santo afinal era de pau oco e milagres que é bom, nem vê-los, então, há que ter muita pena na mesma, tente-se pelo chá e pelos biscoitos, pode ser que de resultado.
Também não sabe que o pedinte foi enganado duas vezes. Enganado quando acendeu a vela e pediu milagre ao santo do caruncho, e enganado quando olhou para a cara alva do santo e nela viu santidade.
Há que expiar pecados, alguns dirão.
E porque todos os santos são feitos não só de barro ou gesso, mas também de pau, que de vez em quando apanha caruncho e nos saem, afinal, umas boas prendas. Ou, como quem diz, uns belos santinhos, que atendem as promessas todas mas apagam a vela que se acendeu e fazem corninhos ao pedinte assim que ele vira costas. Já que se pode ser santo e ter poderes milagrosos, também de nada custa ser um bocadinho falacioso e mentir, simplesmente, ao pobre, que tão inocentemente crê que vai cair uma moeda no seu chapéu em troca de tão devota peregrinação.
Mas o santo não é parvo, não quer perder dinheiro, e já que se cansou a ouvir a ladaínha do pedinchas ; com a aureola a luzir mais do que a luz do sol, vá de mostrar o céu, as divinas paisagens, as divinas melodias e ser convincente, com a divina cara de pau. E com cantos gregorianos e música de câmara se endromina o pobre, que fica convencido que leva um gigantesco milagre, e afinal, não leva mais que um plácido olhar, de madeira colorida, inerte, vazio, morto.
E o pedinte que acreditou que a face milagrosa seria a verdadeira face do santo, a verdadeira essência, o verdadeiro âmago. Mas, obviamente, não convém nada ao santo mostrar o caruncho por baixo das ricas vestes, ou perderia a clientela de um dia para o outro , e o segredo é a alma do negócio.
E os inocentes são sempre os que mais sofrem. Tudo devido à dita boa fé, nos seus dois grandes e belos pressupostos. O da tutela da confiança está mais que preenchido , é o mesmo que dizer que o pobretanas acreditou na cura milagrosa para o seu problema de pobreza e idiotice conjunta, e ainda se encantou pelo caruncho escondido do dito santo. O problema será preencher a materialidade subjacente, se só há promessas e nada de coisas feitas ; como dar corpo àquilo em que se acreditou? Como transformar em viável, em palpável, como fazer matéria de promessas, que não passam de palavras, de espírito, sem consistência?
O jurista avisado responderia : depende. Se o pobre não sabia do caruncho nas entranhas do santo e por isso não pôde prever a armadilha antes de lá por o pé, há que pensar nalguma forma de o compensar ; chá, bolinhos e uma noite bem dormida é capaz de ajudar. Agora, se o pedinte tinha obrigação de saber que o caruncho come a madeira e que o santo afinal era de pau oco e milagres que é bom, nem vê-los, então, há que ter muita pena na mesma, tente-se pelo chá e pelos biscoitos, pode ser que de resultado.
Também não sabe que o pedinte foi enganado duas vezes. Enganado quando acendeu a vela e pediu milagre ao santo do caruncho, e enganado quando olhou para a cara alva do santo e nela viu santidade.
Há que expiar pecados, alguns dirão.
AS
Subscrever:
Mensagens (Atom)