quinta-feira, 17 de abril de 2008

Carta da Conforto

Imagine-se que uma educadora de infância acorda, um dia, dotada de uma constipação, digamos, de caixão à cova. Espirros, dores de cabeça, tosse convulsiva, apenas como exemplo do estado lastimável da senhora. Mesmo assim, sem poder com uma gata pelo rabo, decide ir trabalhar. Não se sabe se por sentimento de cumprimento de dever se por puro altruísmo de querer partilhar os sintomas por todos quando vê durante o dia, o que é certo é que passa o dia rodeada de criancinhas babonas e irrequietas, espirrando e assoando-se alegremente para cima de todas elas.
No dia seguinte, a creche dispensa todos os funcionários do seus serviços, à laia de folga extra, porque não há putos para tomar conta, dado que estão todos a entupir as urgências pediátricas de um hospital qualquer.

O que aconteceu aqui foi efeito de contágio, na sua forma mais simples. Um vírus, um hospedeiro, a pandemia. Efeito de se ficar doente por causa de uma alminha que derrama boa vontade de pôr toda a gente igual a si mesma.
Quantas vezes é que isto acontece, por esse mundo fora?

Sempre. Não há como escapar disto. Se se anda na rua, se se vive, ao fim e ao cabo, está-se necessariamente sujeito às estirpes de qualquer coisa que a pessoa que está ao lado tem a caridade de partilhar. Mas, se for sempre uma reles gripe a ser transferida de umas pessoas para as outras, está-se, até, bem aviado. Afinal, não há nada que um chá quentinho e alguns comprimidos não cure.

Pior mesmo quando algo de mais grave se contrai. Como a estupidez, a burrice, o incontrolável sentido de destruição colectiva, o nervosismo estúpido, a mania que se pode quando afinal nada se sabe. Isto é bem mais difícil de curar que qualquer constipação que lhe apeteça vir minar o sistema imunológico. Para tais maleitas, não há cura no que concerne o hospedeiro, e para os contaminados, enfim, há uma doença passageira, mas que deixa um rasto de destruição à sua passagem. E não há nada a fazer, a não ser não se aproximarem de semelhantes hospedeiros, portadores de uma estupidez galopante e um egoísmo megalómano.

O que resta frisar é a livre e espontânea vontade com que o hospedeiro da doença sai para a rua, com a maior das descontrações. Sem preocupação pelo contágio dos outros cidadãos. Não há culpa em contrahendo que lhe valha. Aqui há mesmo crime.

Hoje foi-se hospedeiro. Dias haverá em que se será, com certeza, mero infectado.




AS

1 comentário:

Anónimo disse...

há uns frasquinhos para curar isso: cicuta :)

Gostei, estilo crónica :)

Jorge Batista