quinta-feira, 1 de junho de 2017

7 Days To Say Goodbye

Trabalhar aqui é um pouco como estar numa relação em que se sofre de violência doméstica.

Estamos constantemente a apanhar na boca, a ser rebaixados e humilhados, a ser espezinhados e desrespeitados, seja à frente de quem for e pelo tempo que o agressor bem entender. Mas se depois mostramos cara feia ou descontentamento, depressa vem o tempo de bonança, de piadas, de simpatias e bonomias. Como que para nos fazer esquecer dos maus momentos, como que para darmos o nosso perdão, como que a desculpar e a pôr tudo para trás das costas.

E a vítima, como estúpida que não é mas que a querem fazer assim, fica numa situação que o agressor quer confusa, sem saber se é amada ou odiada ou se o agressor sofre de alguma perturbação involuntária do espírito, agindo sem culpa.

Tanto ou tão pouco que quando a vítima tenta escapar é inevitável que sinta um não-sei-quê de remorso por estar a abandonar uma situação que, afinal, é tão boa e ela própria é que é uma porcalhona por estar a pensar em deixar tudo para trás.

E é assim que se acaba morta, numa qualquer valeta, depois de anos e anos a levar pancada e a ser assediada, sem vontade de viver. Para depois ficar conhecida ou como a coitadinha que não pôde fugir ou então como a puta miserável que teve todas as oportunidades de sair e fugir para bem longe e nunca o quis fazer porque, no fundo, lá bem no fundinho, gostava de levar porrada e por isso não se venha cá queixar uma vez que foi ficando porque quis e bem lhe apeteceu.


Durante 7 anos, foi assim.
7 anos.
Neste tempo, ouvi coisas que não lembram a ninguém. Fizeram-me coisas que não lembram a ninguém. Aguentei desaforos, bocas ordinárias, palavreado triste, ofensivo.
Passei 7 anos a oscilar entre a profunda angústia provocada pelo insulto e a angústia ligeira dos tempos neutros em que nada acontecia.

Durante 7 anos, nas reuniões anuais, quer a actividade financeira estivesse em alta ou estivéssemos a passar por uma crise, a conversa era sempre a mesma: temos uma estrutura pesadíssima, assim não vamos lá, vai alguém embora muito em breve. Sempre, em repeat, sem nunca desviar a trajectória. Havia sempre mais alguém para pôr na rua. Cheguei cá e esta casa estava cheia de gente; agora, não sobram muitos desse tempo. Porque de facto as ameaças foram passando à prática.

A última vez que esta conversa surgiu foi em fevereiro, numa reunião animadíssima para celebrar o meu regresso depois de ter saído por ocasião do nascimento do meu rebento, em que, basicamente para matar saudades, foi repetida a conversa do vou-vos pôr na rua, complementada com asneiras e mais insultos. E, nessa ocasião, caiu-me tão bem ou tão mal que decidi que seria a última vez que alguém, aqui, se dirigia a mim naqueles termos. Depois de ter passado 7 anos a ouvir mais do mesmo, achei que seria demais ficar mais um dia sequer num local onde constantemente se dirigem aos trabalhadores com tamanha falta de respeito e consideração pelo esforço que todos os dias é empreendido nas tarefas que são distribuídas. Fiz um voto em como não deixaria que mais ninguém me pusesse os pés em cima e deixaria esta corja o mais depressa que conseguisse.


E, agora, chegou essa hora.
Não consigo contabilizar as horas que passei a sonhar com este momento. Não consigo contabilizar as vezes que fantasiei em entrar pela sala daquela abécula, atirar-lhe com a chave para cima da mesa e dizer-lhe vou à minha vida, vá-se foder. Não consigo contabilizar as vezes em que estive para fingir que tinha tido um acidente e que não podia ir trabalhar.

Não é uma despedida fácil, no entanto, e apesar de tudo o que já descrevi.
Também passei aqui bons momentos, principalmente com os Colegas. Tenho aqui grandes e bons amigos, amigos que vou levar no peito para sempre, enquanto carrego a saudade mesmo ao lado, amigos que não tenciono deixar de ver, nem de abraçar, nem de tirar horas para conversar, porque são para a vida e isso foi a melhor coisa que este lugar me deu. Parto com o coração pesado das saudades que já sinto e também pelo fardo que lhes vou deixar, aturar esta gente demente num tempo em que as coisas não estão a funcionar assim tão bem. Parto com lágrimas nos olhos porque apesar de um ambiente tão mau conseguimos sempre pôr essas coisas de lado e contarmos uns com os outros sem nunca voltarmos as costas. Parto com o coração pesado porque, e como será óbvio, não sei o que me espera e vou sozinha, sem eles, em busca do desconhecido.

Mas parto, essencialmente, com uma chama acesa dentro de mim que funciona como um talismã. Porque fui capaz de escapar a um destino quase certo e tirei-lhes o gozo de me voltarem a espezinhar. Fui capaz de me desviar da bala mesmo a tempo. Principalmente, fui capaz de os apanhar na curva, completamente desprevenidos, desprotegidos, impreparados. E deu-me um prazer selvagem e francamente primitivo poder vingar-me desta forma. E isso ninguém, absolutamente ninguém, me tira.

Grande parte da minha vida profissional foi vivida neste espaço, nesta comarca, com estas pessoas. Tudo o que sei, que não é muito, aprendi aqui. Desenvolvi aqui. A mudança, apesar de necessária, não é fácil. É, sim, facilitada. Pelo desrespeito constante, pelo desprezo constante, pelas más memórias, pelo infortúnios. O que não apaga o meu apego a esta terra, que é a minha, e a esta casa, apesar de quem a gere. Levo comigo tudo o que fui aqui, tudo o que me deram, de bom e de mau, esperando que seja bagagem suficiente para enfrentar o que aí vem.



Passaram 7 anos.
Agora tenho 7 dias para dizer adeus.
Sem olhar para trás.




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