terça-feira, 7 de abril de 2009

Crescei e Multiplicai-vos

Os pais não podem fazer tudo. Os pais põem os filhos no mundo, fazem por eles sempre o pouco que sabem, e ficam à espera de que o melhor aconteça, parecendo-lhes até que se estivessem com muita atenção, ou mesmo quando não tanta assim, com qualquer coisa um pai se ilude, julga-se atento e não está, mas enfim, é impossível que filho meu seja maltês, minha filha levantada, o meu sangue envenenado.

José Saramago in Levantado do Chão

Os pai querem sempre o melhor para seus filhos. Gostam sempre deles e por isso desejam sempre o que de melhor a vida tem para oferecer. Exclui-se daqui, obviamente, à partida aqueles casos, mesmo que abundantes, de sentimentos direccionados a filhos que parecem antes ser direccionados a cães tinhosos, mesmo que sejam realidades, a verdade é que a maioria das pessoas com rebentos no mundo quer-lhes bem.
Porém, a noção de bem que se quer aos filhos tem nuances, tem diferenças de progenitores para progenitores, confunde-se com as convicções dos pais a educar os filhos, confunde-se o bem que se lhes quer com aquilo que querem que os filhos façam.

A bem da verdade, a posição dos pais é ingrata, bastante desagradável, se bem analisada.
Produzem um infante, com todo o amor e carinho, vêem-no nascer, pequeno e indefeso, gostam dele imediatamente, cuidam dele, dão-lhe alimento, de vestir, conforto, observam um pequeno ser aprender a falar, e a andar, e a comer sopa sem cuspir, a pintar sem pintalgar a mesa, riem-se das tentativas de pronúncia de palavras difíceis, deixam-nos fazer diabruras, tão lindo o nosso menino, prolongamento de nossas sementes, é o nosso legado para o mundo, a única coisa que verdadeiramente cá deixamos, o nosso contributo, a nossa obra, tão lindo o nosso menino. Depois os rebentos vão para a escola, conhecem outras realidades, outras cores, esquecem-se de fazer os trabalhos de casa, não gostam da professora, apanham dos colegas, andam ranhoso e não querem visitar a avó, mas são sempre os lindos infantes paridos do amor dos pais, sempre os protegidos, que por mais traquinas que sejam, são sempre os mais queridos e adorados de sempre, a criança do meu coração.

As crianças crescem. Juntamente com as pernas que esticam, também o cérebro muda e os pais já não são o mundo deles, pelo menos não todo. Há novas coisas para ver, outras ideias para aprender, pessoas para conhecer, um mundo inteiro para ser viajado. E os pais ficam em casa, distantes de um universo inteiro que agora é o momento de ser conhecido. Perdem aos poucos as suas crianças queridas, fofas e pequeninas, que preferem ficar horas a teclar com gente desconhecida num chat qualquer do que conversar alegremente com os pais sobre assuntos aborrecidos, que se vestem como calha e como mandam as modas esquisitas em voga, afastam-se dos comportamentos que lhes foram ensinados, os valores que lhes foram transmitidos, fumam, bebem, chegam tarde, fazem sexo, praguejam, são arrogantes, umas bestas ingratas que se esquecem de tudo quanto lhes demos, de tudo o que sacrificámos, de tudo o lhes ensinamos, só quer é vadiagem, nem nos liga nenhuma, e agora tem ideias estrambólicas, tem a mania que vai mudar o mundo, onde é que isto irá parar com gerações assim, são uns maltrapilhos, uns valdevinos, que pusemos no mundo, em que falhamos, o que fizemos mal, criámos um monstro.
Esta é a sina maldita daqueles que trazem novos seres ao mundo. É a sina dos desgraçados que se vêem abandonados e de certa forma até traídos por os filhos serem tão más pessoas, e tão afastadas dos sagrados e fieis ensinamentos que lhes foram transmitidos. A posição dos pais é ingrata e bastante desagradável, até.

De certo modo, sim. Nem sempre as criam respeitam quem os pariu.
Mas quem os pariu não respeita a sua criação. Em fase (quase) nenhuma da vida da cria.

1 comentário:

Лев Давидович disse...

É um facto.
(Com o acordo ortográfico) É um fato.