No início, não era o verbo, mas tinha alguma graça. Agora não tem graça nenhuma.
Vim parar a um antro que encerra em si muito do espirito medieval.
Uma das manifestações deste conceito é o da caça às bruxas, que consiste numa autêntica expedição para encontrar um culpado quando as coisas correm menos bem. Aliado a esta idiossincrasia, manifesta-se também uma ideia imutável e transversal a todos os habitantes, ainda que temporários, deste lugar: é proibido perder uma ação.
Ora, não é preciso ser licenciado em Direito pela melhor faculdade do mundo nem ser advogado há décadas para saber uma verdade bem básica e mais que empírica: nem todas as causas são vencedoras. Aliás, até nas causas que, à partida, parecem fáceis e de ganho mais que certo, podem as coisas não correr como esperado e tudo descambar.
Não propriamente por dolo ou negligência do mandatário, mas por um sem número de outros fatores que concorrem diretamente para o insucesso.
Toda a gente já sai das escolas de Direito com esta noção.
Se não saem, aprendem no estágio.
Se mesmo assim não interiorizam, aprendem com a prática.
Se nunca se depararam com tal fenómeno, não são juristas nem advogados.
Pois que fazendo o somatório de todo o conteúdo supra, conclui-se que o local onde exerço a minha nobre profissão está cheio de pessoas a) que chumbaram na agregação e andam para aqui há anos a cometer crimes de procuradoria ilícita e b) não têm noção da realidade porque, a bem da verdade, nunca exerceram, de facto, a profissão porque toda a vida se sentaram em cima do trabalho dos outros à espera que chova dinheiro.
Portanto, nesta casa, perder processos é, em si, toda uma situação dolorosa e sinuosa para o titular desse processo.
É um procedimento de culpabilização, de escrutínio de falhas e males menores, de humilhação coletiva. É um tempo leproso, em que o infetado fica apartado da vida societária, enquanto é olhado de lado por toda a gente.
É um tempo conturbado, porque são tomadas decisões precipitadas e descabidas, com o único intuito de reagir à perda, de correr atrás do prejuízo, coisa mais portuguesa não se vê por aí.
É, basicamente, uma angústia e um descrédito total e absoluto para a pessoa, que se vê truncada das suas capacidades jurídicas e julgada em praça pública por pessoas menos aptas que ela.
Mal comparando é todo um walk of shame de Cersei Lannister, com direito ao badalo ao início, anunciando aos quatro ventos o infortúnio jurídico, até ao arremesso de fruta podre e porcaria por toda a gente que a rodeia.
A não ser, claro, que o desafortunado seja, como está bom de ver, aquele (aquela) que, no mais das vezes, faz o papel de carrasco.
Aí, tudo é feito para encobrir o mal feito, escondendo de todos o sucedido, muitas vezes com a conivência da chefia.
Aí, não há badalo, nem arauto, nem arremesso de vária ordem; só há silêncio.
O que não deixa de ser deveras curioso, porque já deixa de existir a premissa de que não se podem perder ações para passar a coisas que acontecem. Aí, já não há surpresa.
Poderia discorrer longamente sobre a estupidez humana, em especial a que grassa neste locado.
Poderia discorrer ainda mais longamente acerca da injustiça da situação, que encerra problemas estruturais gravíssimos que ninguém pode corrigir.
Poderia alongar-me acerca do prejuízo que causa à saúde mental e laboral dos que cá habitam.
Mas não. Já não quero saber. Só acho que isto deveria ficar documentado, por isso aqui fica.
Foi aqui que vim parar.