sexta-feira, 26 de março de 2021

Meanwhile In Érgástulo - Parte Vigésima Quarta

Breve pausa para se tomar conhecimento que tenho um patronato que considera que os Médicos pela Verdade foram vítimas do sistema ditatorial em que vivemos, que pune as pessoas por delito de opinião, já que essas pobres criaturas apenas de limitaram a discordar dos especialistas que fazem as regras pelas quais ultimamente, por força das circunstâncias, temos que nos reger.

Breve pausa silenciosa para se interiorizar o supra exposto.



Breve pausa para contemplar o facto de ter sido a este lugar que a minha pessoa veio parar. 

quinta-feira, 18 de março de 2021

Meanwhile In Ergástulo - Parte Vigésima Terceira

No início, não era o verbo, mas tinha alguma graça. Agora não tem graça nenhuma.

Vim parar a um antro que encerra em si muito do espirito medieval. 
Uma das manifestações deste conceito é o da caça às bruxas, que consiste numa autêntica expedição para encontrar um culpado quando as coisas correm menos bem. Aliado a esta idiossincrasia, manifesta-se também uma ideia imutável e transversal a todos os habitantes, ainda que temporários, deste lugar: é proibido perder uma ação.

Ora, não é preciso ser licenciado em Direito pela melhor faculdade do mundo nem ser advogado há décadas para saber uma verdade bem básica e mais que empírica: nem todas as causas são vencedoras. Aliás, até nas causas que, à partida, parecem fáceis e de ganho mais que certo, podem as coisas não correr como esperado e tudo descambar. 
Não propriamente por dolo ou negligência do mandatário, mas por um sem número de outros fatores que concorrem diretamente para o insucesso. 
Toda a gente já sai das escolas de Direito com esta noção. 
Se não saem, aprendem no estágio. 
Se mesmo assim não interiorizam, aprendem com a prática. 
Se nunca se depararam com tal fenómeno, não são juristas nem advogados.


Pois que fazendo o somatório de todo o conteúdo supra, conclui-se que o local onde exerço a minha nobre profissão está cheio de pessoas a) que chumbaram na agregação e andam para aqui há anos a cometer crimes de procuradoria ilícita e b) não têm noção da realidade porque, a bem da verdade, nunca exerceram, de facto, a profissão porque toda a vida se sentaram em cima do trabalho dos outros à espera que chova dinheiro.


Portanto, nesta casa, perder processos é, em si, toda uma situação dolorosa e sinuosa para o titular desse processo. 
É um procedimento de culpabilização, de escrutínio de falhas e males menores, de humilhação coletiva. É um tempo leproso, em que o infetado fica apartado da vida societária, enquanto é olhado de lado por toda a gente. 
É um tempo conturbado, porque são tomadas decisões precipitadas e descabidas, com o único intuito de reagir à perda, de correr atrás do prejuízo, coisa mais portuguesa não se vê por aí. 

É, basicamente, uma angústia e um descrédito total e absoluto para a pessoa, que se vê truncada das suas capacidades jurídicas e julgada em praça pública por pessoas menos aptas que ela.

Mal comparando é todo um walk of shame de Cersei Lannister, com direito ao badalo ao início, anunciando aos quatro ventos o infortúnio jurídico, até ao arremesso de fruta podre e porcaria por toda a gente que a rodeia.


A não ser, claro, que o desafortunado seja, como está bom de ver, aquele (aquela) que, no mais das vezes, faz o papel de carrasco. 
Aí, tudo é feito para encobrir o mal feito, escondendo de todos o sucedido, muitas vezes com a conivência da chefia. 
Aí, não há badalo, nem arauto, nem arremesso de vária ordem; só há silêncio. 
O que não deixa de ser deveras curioso, porque já deixa de existir a premissa de que não se podem perder ações para passar a coisas que acontecem. Aí, já não há surpresa.


Poderia discorrer longamente sobre a estupidez humana, em especial a que grassa neste locado. 
Poderia discorrer ainda mais longamente acerca da injustiça da situação, que encerra problemas estruturais gravíssimos que ninguém pode corrigir. 
Poderia alongar-me acerca do prejuízo que causa à saúde mental e laboral dos que cá habitam.

Mas não. Já não quero saber. Só acho que isto deveria ficar documentado, por isso aqui fica.




Foi aqui que vim parar.


Bolas, Logo De Manhã...

Sendo, já, oficial que a terra tremeu em Lisboa, é seguro dizer que senti o abalo e não gostei lá muito.

Que é como quem diz, apanhei um susto da porra.

Uma pessoa está descansada e sente uma vibração a partir do chão que abana tudo, como se fosse uma corrente elétrica de alta voltagem a percorrer os átomos dos objetos. Estando de costas para a janela, nem vi se os pássaros levantaram voo segundos antes, como é suposto acontecer. E depois, tão depressa como começou, acabou. Dois segundos, se tanto.

Olhei em volta, esperando ouvir comentários, gritos, suspiros, coisas várias.

Nada. Aparentemente os meus colegas são imunes aos tremeliques. Ainda passei por demente até começarem a surgir mensagens, relatos e notícias a espalharem-se como urticária.


Este foi o segundo terramoto detetado pela minha pessoa. O primeiro não senti, só ouvi (coisa mais estranha, já sei). Este não o ouvi, até porque, como é sabido, sou surda que nem uma porta, mas senti a força do fenómeno. 

Desde que sou gente que oiço dizer que, qualquer dia, acontece um outro terramoto nesta cidade do demo, igual ao de 1755. Durante anos, segundo parece, fizeram-se planos e estudos e teorias e adaptações da construção que, aparentemente, ninguém se lembra e ninguém põe em prática. Mais vezes se fazem simulacros de incêndios do que de terramotos. Cada vez que há um sismo, volta-se invariavelmente a falar nos planos e nos cuidados, para depois se acalmarem os ânimos e voltar-se a esquecer do assunto. O que não deixa de ser assustador.

Enfim, espuma dos dias até ao próximo abalo. Que espero não sentir.

quarta-feira, 17 de março de 2021

Em 2021, Ainda Isto

Quando, em conversa com um Colega, me pergunta se sou casada, se tenho filhos e porque não tenho mais porque a condição da mulher é ser mãe, porque esse é o chamamento da Mãe Natureza, não apraz dizer mais nada senão mandar passear para o cesto da gávea.

E, não contente com a brincadeira, ainda me manda às trombas, como se estivesse a dizer a coisa mais básica do mundo, que as mulheres querem-se doces porque para guerrear estão cá os homens, enquanto me lançava olhares gulosos a todos os cantos do meu decote que, por acaso estava tapado até ao pescoço, que eu sou pessoa friorenta.

Obviamente que este é um exemplo triste e, gosto de pensar, isolado.

No entanto, todos os dias há sempre alguém, normalmente mulheres, que nos dias de hoje, ainda têm histórias destas para contar, que todos os dias têm de ouvir este tipo de barbaridades bacocas em muitas circunstâncias da vida.

Portanto, será exemplo isolado mas não inexistente.

Ultimamente tenho ouvido muitas criaturas que não devem ser deste mundo ou, se o são, devem passar o tempo sob o efeito de substâncias psicotrópicas, dizer que já não se pode dizer nada, que é uma ditadura, que a ideologia de género é não-sei-quê, que as feministas são não-sei-que-mais, e espanta-me como é que ainda conseguem ser, para além de egoístas, acéfalos.

Porque somente uma pessoa acéfala pode pensar em verbalizar esta postura de desculpabilização de agressões psicológicas quando ainda há quem se sinta confortável em dizer estas coisas a outras pessoas, julgando-as inferiores pelo seu género, sem qualquer pejo nem receio pelas consequências. 

Se há quem ache que esta conduta se admite, lamento, mas creio-os iguais aos que têm adotam de facto esta conduta como modo de vida, já que com eles são coniventes.

Portanto, puta que pariu esta conversa de merda. 

sexta-feira, 12 de março de 2021

2020, Take 2

 Mais de um ano depois, o regresso. 

A ideia era durante o ano de 2020 experimentar outro tipo de escrita,  tipo diário, coisa mais íntima, mais profunda, não para partilhar, mas para esconder, pensamentos negros e horripilantes, coisas (ainda mais) chatas e desinteressantes.

Afinal, o ano de 2020 transformou-se numa espiral gigante de porcaria, confinamento e solidão social, pelo que a intimidade e profundidade de escrita que se pretendia acabou atirada para um canto. Não havia mais nada para escrever que não fossem crónicas do encerramento domiciliário, quilos ganhos, longe de todos, longe da vida. Quem é que quer manter um diário assim?

Muitas vezes pensei em abrir o blogger e escrever um ou outro desabafo. Mas, não vislumbrando o propósito, deixei andar. Se este já era um antro de queixume, agora com esta esquizofrenia de pandemia e loucura, até à própria isto haveria de parecer um repositório de tristeza e idiotice. E, por isso, não o fiz.

Aguardei que os primeiros três meses de 2021 não fossem a confirmação da continuidade que 2020 ofereceu. Tive esperança que esta dinâmica tivesse um fim. Não teve. Tive esperança que as soluções fossem chegando, não com a velocidade supersónica, mas de cruzeiro e que se pudesse voltar à vida de antes naturalmente. Não aconteceu.

Durante dois meses, tudo voltou a estagnar, a adormecer, a esmorecer. Todo este tempo pareceu o seu dobro, tamanha a frustração e o desencanto. Claro que foi por um bem maior; mas os bens menores também sofreram.

Como em três meses nada mais se observou que não fosse um 2020 renovado, achei que o queixume estava legitimado novamente - até porque é desporto nacional - e, portanto, estou de volta.

Viva o queixume.

2020, temporada 2.