quarta-feira, 19 de abril de 2017

Da Inoculação

Sempre me foi dito que, quando tivesse filhos, até as notícias haveriam de soar de forma diferente nos meus ouvidos.
Sempre pensei, também, que era mais uma daquelas conversas fiadas sobre a mudança abissal na vida de uma pessoa quando chegam os rebentos, do género nunca mais se comem batatas assadas ou daqui para a frente dormimos todos com os pés de fora porque os bebés mamam nos tornozelos e outras parvoíces que tais.

É verdade que a vida muda, não há que enganar, mais que não seja porque passa a viver outra pessoa numa casa que antes era só nossa, mas também não será propriamente uma avalanche  de coisas más a acontecerem na vida.



Mas esta conversa das notícias é verdade.
Todas as notícias concernentes a crianças passam a entrar pelos olhos dentro directas ao coração. Todas as notícias que possam indirectamente dizer respeito a crianças entram pelos olhos dentro e encravam-se no coração na mesma.
Porque todas essas crianças podiam, afinal, ser os nossos filhos e só vemos os nossos garotos no lugar daqueles seres e é inevitável colocarmo-nos na posição daqueles pais e pensar automaticamente podia ser comigo, podia ser o meu filho naquela situação.

A notícia da morte daquela miúda é mais um exemplo desta realidade. É uma tragédia, uma coisa monstruosa. Não há palavras para expressar a enormidade disto. Quando nem a medicina consegue salvar uma vida tão jovem, alguma coisa cai dentro de quem ouve e se perde para sempre. Correu tudo mal.



Dois tipos de sentimentos assolaram o meu pensamento quando tomei conhecimento disto:

Pesar, tristeza profunda, empatia.
Independentemente das causas, houve uma vida que se perdeu, uma vida que nem chegou a começar. Nem consigo pensar na dor daqueles pais, daquela família. Porque antes de se apontar o dedo, há que ter presente que aquela gente, hoje, vai chegar a casa e não vai poder abraçar a sua filha. Não vai poder vê-la nem mais ouvir a sua voz. Há uma mãe e um pai que hoje vão dormir sem poder dar um beijo de boa noite ao seu rebento. Nunca mais. Independentemente de vacinas e profilaxias várias, hoje morreu uma filha, uma neta, uma sobrinha, uma amiga. Morreu parte daquela família, deixando atrás de si um rasto de miséria e desconsolo. Estamos todos sujeitos a uma coisa destas. As crianças são seres frágeis, poderia ser com qualquer um de nós. Podia ser comigo, podia ser o meu filho.

Raiva, ódio, desespero, por outro lado.
Tenho algumas ganas de espetar um garfo nos olhos daquela gente. Tal como poderia ser comigo, poderia ser o meu filho, poderia, da mesma forma, ser o meu filho a apanhar uma porra de uma doença de um puto cujos paizinhos anormais decidiram não o vacinar.  Os putos andam na rua, na casa de outras pessoas, nos infantários; como é se estiver um miúdo doente num sítio destes que transmita a doença de forma democrática, a toda a gente? Serei eu obrigada a fechar o meu filho em casa com medo do contágio? Serei eu obrigada a pedir aos responsáveis do infantário onde o deixo todos os dias que me mostrem os boletins de vacinas de todos os catraios que lá estão? Serei eu boa da cabeça por deixar o meu filho num infectário, com uma doença destas à solta, uma doença que poderia ser prevenida?

Não há desculpas quando se trata de saúde pública e é disso que estamos a falar. Saúde pública, saúde de todos nós. As vacinas são gratuitas, estão disponíveis para todos. Num país em que tanta coisa funciona tão mal, as vacinas estão sempre lá para quem as quiser, mesmo fora de tempo, pode sempre fazer-se qualquer coisa e administrar uma dose. Vai-se sempre a tempo de fazer o que é certo, não só para o próprio, mas para os filhos de toda a gente.

A doença estava erradicada porque, há 50 anos, começou a preparar-se a imunidade que hoje existe. Imunidade essa que foi toda para o maneta porque há umas cavalgaduras, algures no mundo, decidiram que vacinas eram boas para pendurar nos cornos de quem as dava e imunizar as crianças, quieto. Por causa desses deficientes mentais hoje enfrentamos o problema outra vez.

Há 23 anos que não morria uma pessoa de sarampo em Portugal.
Hoje voltámos à estaca zero.

Pelo que li, existiram razões para que a vacina não fosse dada a esta miúda.
Não sou ninguém para julgar. Mais uma vez, podia ser comigo, podia ser o meu filho. Nada impede que, de hoje para amanhã, também venha uma doença má que me ponha na posição dos pais que hoje se despedem da sua filha. Não está em causa a perda, nem as razões que levaram a que não se administrassem as vacinas àquela criança.
Está em causa a decisão de não vacinar que prejudica objectivamente os outros, que leva a que os outros vejam os seus filhos doentes e às portas da morte porque há uma avestruz estúpida que ainda acredita que as vacinas causam autismo.

Leiam. Informem-se. Perguntem aos médicos. Não façam medicina pelas próprias mãos.
Salvem a vida dos próprios filhos, salvem a vida dos filhos dos outros.

Salvem a vida de todos nós e deixem-se de merdas, caralho.

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