terça-feira, 20 de outubro de 2009

Mais um

É como apanhar o autocarro em hora de ponta.

Quando se entra, já está tudo cheio, e é-se obrigado a espremer a si mesmo e aos outros para arranjar um sítio minimamente vago onde agarrar um varão, um apoio de assento, uma argola ou os cabelos de alguém, e rezar para que não venha nenhuma senhora gorda a querer passar sabe-se lá para onde.
Não se sabe bem porquê mas quanto mais avantajado é o cu, maior a tentação de o esfregar por tudo o que é gente no transporte público para chegar a um destino que só o próprio conhece e que não facilita em nada a sobrevivência naquele espaço, onde parece que ninguém gosta de sabão e água.

Vai-se em pé, que é como quem diz, com uma mão a suster todo o peso do corpo, que a outra tem os livros, e os dois pés que deus ofertou estão animadamente a balançar no ar graças à perícia de condução do senhor que vai ao volante, que acha muito mais proveitoso ir a coçar o nariz com uma mão e com a outra a gesticular, enquanto insulta primorosamente um político qualquer, e isto tudo, durante a conversa com uma senhora de abundante cabelo pintado de amarelo, que masca pastilha elástica como se fosse uma batedeira em movimento perpétuo.
E tudo isto enquanto se descreve a eterna curva de uma rotunda. Se se tiver sorte, várias, porque se vive numa zona de franca expansão populacional, logo o primeiro passo para criar condições é fazer rotundas à doida.

Enquanto isto, já não se tem braço, que ficou agarrado àquela argola, ou pedaço de plástico dobrado em dois, ou qualquer coisa, as pessoas sentadas confortavelmente, olham para quem vai de pé e quase a morrer com ar de regozijo.
Não conseguem evitar.
Gostam de ver os outros a sofrer, a desejar que alguém lhe ceda o lugar, a pensar em como estão confortáveis enquanto aqueles ali já deram sete cabeçadas contra o vidro e outras tantas contra a cabeça da velha cheia de sacos de compras.
E como é bom ser superior, nem que seja por causa de um lugar num autocarro.
Nestes momentos, todos os que vão sentados se apercebem porque chegou Hitler ou Napoleão tão longe; com certeza que não deve ser desagradável de todo ter semelhante sentimento de poder a toda a hora e instante...


É exactamente o mesmo que apanhar o autocarro em hora de ponta...

2 comentários:

Лев Давидович disse...

Não é.
Em última análise, andar no autocarro implica parte de uma rotina, algo diário.
Portanto, não é.
A resposta à pergunta que fazes é sim, sei.

Diligentia disse...

Resposta errada porque a poergunta não é essa