quinta-feira, 12 de junho de 2008

Insónia

Se não estivesses comigo, estarias com outra pessoa, que te faria ainda mais feliz. Gostarias dele tanto ou mais do que gostas de mim. Se não fosse eu seria outro.


Lembro-me vagamente de umas lições que se tomam no primeiro ano de Economia Política que fazem lembrar isto. Creio que se falava de bens ou produtos sucedâneos, produtos que mesmo que não sejam iguais ao original, tem as mesmas características e são aptos a satisfazerem as mesmas necessidades dos outros. Dão a mesma serventia, por assim dizer, servem para o mesmo, só que com nomes diferentes.

E ainda há quem se lembre de aplicar este princípio a coisas que nada têm a ver com Economia. Ainda há quem se arrogue a aplicar, que é como quem diz a dizer nas ventas vizinhas, este preceito àquilo que menos preceitos e regras segue.

Como se explica pelas vias racionais e sem entrar em caminhos duvidosos que vão inevitavelmente parar à lamechice barata e a alguma coisa que soe a falso romantismo, que existem coisas que nascem que não se explicam, existem, vivem, impõem a sua presença, porque ao fim e ao cabo, já pertenciam ao lugar que ocupam, só que nunca se tinham lá ido sentar antes?

Como se explica que o lugar encontrado era o que era procurado em demandas e demandas sem fim, até ser reduzido a uma mera lenda, uma mera utopia, apenas lembrada como uma relíquia bolorenta, mentirosa, inexistente, sem fundo de verdade por quem a procurava sem sucesso na busca?

Como se explica que não existiria mais nada que chegasse onde nunca ninguém chegou, que afinal que queria tanto como nunca antes alguém quis outro alguém, que afinal, quem diria!, o príncipe não foge com o cavalo e a princesa não fica agarrada à bainha do lenço, a trocê-lo da água das mágoas?

Como se explica a quem não acredita que não haveria nada, nem nada valeria o esforço se não houvesse pessoa, se não existisse o conforto nem o calor que a realidade transmite? Como é que se faz acreditar que o vê não podia ser mais real a quem, no fundo, não crê em quem lho diz?

Como se explica afinal que se não se estivesse como se está, não haveria sequer verbo estar? Haveria, no seu lugar, verbo arrastar, que combinaria com pelos cantos, sem onde ir, que era o que se fazia antes. E não haveria felicidade coisa alguma, porque não haveria de onde emana a felicidade.
Mas isso também não é facilmente perceptível porque quem ouve pensa que deve ser mentira ou coisa que o valha.

Como se há-de dizer, porra, que não há sentimento igual, não há nem houve, e não haverá, sem que tal pareça uma parvoíce quando se passa para escrita? Não se diz, porque nunca ninguém acredita de facto.

Não, não seria outro, não seria nenhum, não seria mais ninguém. Nem será. Mas também não há maneira de se ser credível o suficiente para se acreditar.
Nada a fazer. Mais uma vez, a existência.


AS

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