Mistério humano deveras interessante é a eterna mania que os casais 'recentes' têm de irem almoçar/jantar fora. Ou dentro, para esta questão é indiferente.
O que interessa é que assim que há gente nova na praça, toca a ir a qualquer lado petiscar.
Há uma qualquer relação com a comida nas novas andanças sexuais, como se ao observar-se a outra pessoa a comer se fique com melhor imagem daquilo que ela realmente é. Como se ver alguém a enfardar um prato de comida, e os consequentes gestos que uma pessoa tem necessariamente de fazer ao comer, sejam sinais indicadores de alguma coisa para o futuro, seja bom ou mau. Não me admirava nada que existisse já algum psicólogo de esquina, numa qualquer publicação feminina, a escrever um artigo fenomenal sobre a temática da decifragem de gestos num simples jantar, cujo título seria Saiba se ele é o homem da sua vida pela maneira como pega no garfo/limpa a boca/palita os dentes!!, onde discorreria longamente sobre o significado de comer massa ( só quer ir para a cama consigo), pegar no copo com delicadeza (quer apresentá-la à mãe!) ou sacodir as migalhas do prato (é provavelmente um homem sensível e preocupado com os outros).
Psicologias à parte, a verdade é que há uma tara qualquer nesta temática, sempre relacionada com as tentativas de engate.
Das primeiras coisas a fazer numa relação nova, seja de que estilo for, que estilos há muitos e para todos os gostos, é logo ir enfiar o par numa qualquer birosca onde sirvam comes e bebes. Para quê, com que propósito, não se sabe.
Deve ser para ver a pessoa em diversas actividades e por vários prismas; neste caso, o prisma deve ser extremamente estimulante para quem vê, ou não fosse a panorâmica de enfardar uma visão essencial. Ou então, é para ver se o objecto da fornicação tem maneiras, do tipo, se não se baba, se não come com as mãos, se não rapa o prato, se não faz chavascal na toalha, se não arrota nem faz aquele sonzinho amoroso de sucção para tirar um pedaço de bife dos dentes, enfim, para confirmar que é um ser minimamente decente. Isto porque das actividades de envolvimento sexual uma pessoa não fica logo com a fotografia toda, é preciso tirar a prova dos nove para ver se não se está a comprar gato por lebre. Só pode ser.
Pessoalmente, acho estes momentos deveras embaraçosos. Porque uma pessoa quer causar boa impressão, e há uma série de factores a laborar contra quando se está a comer. Ou é o raio do bife que é rijo como cornos e ao ser cortado salta fora do prato, ou é o frango que, merda para os ossos, não dá para comer como deve de ser, pôr as patas em cima do frango está, obviamente, fora de questão, ou é a massa que salpica tudo, ou uma pessoa engasga-se com a bebida, acontece a todos, e quase sufoca para evitar cuspir-se todo, ou simplesmente, a vasta e de si complicada questão de o que comer, o mesmo que o outro, diferente do outro, não comer... Porém, nenhum factor é tão complicado como mostrar ao outro uma actividade tão peculiar em cada um de meter a comida à boca e mastigar naturalmente. Nem se pode fazer tal, estamos a ser observados. Ao contrário das situações normais, em que ninguém quer saber de pessoas a enfardar, o ser que está sentado à nossa frente está mesmo a observar, a tirar as medidas aos dentes, a ver a quantidade de comida que se põe na boca, essas coisas todas muito engraçadas quando não está ninguém a ver, mas que quando se tem um voyeur que nem disfarça à frente, toma contornos diferentes.
Recordem-se os primeiros encontros, em que não há imaginação para mais, e vá de ir engolir uma bucha de pão a qualquer lado, a falta de à vontade que é comer em frente a um tipo que até tem potencial e cumpre os requisitos, onde se pode deitar tudo a perder por causa de momentos estúpidos. Raio de mania, mas porque é que não nos sentamos aí em qualquer lado a conversar, afinal , não é isso que se pretende? Porque raio é que temos logo que mostrar ao mundo que comemos como ogres?
Que não haja qualquer tipo de ilusão: quando, nestas circunstâncias, alguém observa outro alguém, é certo e sabido que vai haver baba,que há tendência para querer comer com as mãos, que vai haver vontade de rapar o prato, logo hoje que este molho está divinal,logo hoje há uma batata que se projecta a alta velocidade para fora do prato, logo hoje há um arroto preso capaz de fazer tremer as fundações de Lisboa, à laia de 1755, e, crise das crises, há mesmo uma lasca de bife entalada entre dois molares. É mais que certo que todas elas surgirão, porque, meus filhos, a vidinha é feita de ironias, e quando mais que precisa de fazer boa figura, tudo se atropela para se chegar à frente e fazer asneira. Quando tal não sucede, e o agente é uma pessoa cheia de sorte, há uma longaaa repressão para que tal não aconteça, o que vem dar no mesmo; simplesmente, não há como estar à vontade.
Pugna-se em favor de uma legislação que só permita refeições em comum quando já se tenha à vontade para fazer tudo e mais alguma coisa. Não há direito de uma pessoa expôr as suas fraquezas logo às primeiras pancadas. Ou quecas.
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