segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A Melhor Profissão Do Mundo

Digo eu, na minha inocência, que as pessoas não têm remédio. Porque se têm, ainda são capazes de morrer da cura. Já se sabe, a velha conversa, a humanidade não presta, as pessoas são todas podres, incapazes de um gesto de bondade, tudo uma corja e mimimimimi.


Porém, há profissões que estão numa posição previligiada para assistir a este degredo, e uma delas, exceptuando a assistência social e os guardas prisionais, é a profissão de mandatário judicial.


Que as pessoas só recorrem ao advogado quando já a merda está toda fora do balde, não é surpresa, toda a gente sabe que assim é. Que seria agora, a pouca vergonha que não era, andar a gastar dinheiro em gulosos antes de ser preciso, lá agora, o que interessa é ir lá quando já não há entendimento possível, quando o leite já está todo derramado, quando já está tudo ao estalo, é que temos de fazer uma visita ao senhor doutor, raio de mania do raio das gentes, a pensarem que os advogados são como os médicos, quando já a doença mina o paciente é que vão a correr para lá, enfim, cada um com a sua cruz.


Mas poucas profissões têm um acesso tão bom às mentes porcas e retorcidas como a dos mandatários.


Quando se vai ao senhor doutor para remediar as coisas, ainda é como o outro; agora, quando se gasta tempo e dinheiro a inquirir sobre minhoquices e estratagemas de como tramar o meu vizinho porque tenho a mania que sou muito esperto, se vê de um prisma completamente diferente a natureza humana. Um prisma bem pior que aquele que antes se tinha.


Pois que agora a questão não é, doutor ajude-me que tenho o fisco a levar-me o sofá; a questão agora é, o meu vizinho está a regar as flores/construir uma garagem/dar uma queca/fazer uns assados no jardim dele, doutor, ele pode fazer isso, doutor, é que o jardim dele é mesmo colado ao meu, doutor, ele pode, doutor, ele pode fazer isso? Ou então, numa linguagem muito cuidada e pensada, veja lá o que lhe parece, doutor, que tenho uma tia duma prima da minha sogra que ficou maluquinha e agora um enteado da nora dela anda lá a mexer nas coisas dela, já a meteu num lar e agora anda à procura dos certificados de aforro, a mexer nas contas, coitadinha da maluquinha, doutor, somos três irmãos e não sei quantos sobrinhos, e agora doutor?

Desenganem-se os infelizes que pensem que os perguntadores estão preocupados com o vizinho que, coitadinho, pode queimar-se a fazer os assados, ou que estão raladíssimos com o futuro a tia maluca que fica sem nada. Isso é que era doce.
Naaa, isso é para meninos. O que interessa aqui é que o vizinho está a fazer obras no quintal dele e não avisou o outro, não o avisou, notificou, citou ou qualquer coisa, e se ele está a fazer alguma coisa ilegal, e se o que ele está a fazer vai deixar a propriedade dele mais gira que a minha, e porque é que o que os outros fazem não tem que ser comunicado aos vizinhos, porque é que as pessoas fazem o que querem na sua própria casa, é uma coisa que faz muita confusão. O que interessa aqui não é a velha maluca que fica sem nada do que amealhou a vida inteira, ou que ela fique, sequer, sem dinheiro para pagar as fraldas que gasta, o que interessa verdadeiramente aqui é porque é que é só um gajo que fica com o dinheiro da velha, são muitos mais que podiam estar a usufruir da cheta e só um é que se abotoa com tudo, os outros também querem, então mas que pouca vergonha vem a ser esta?
Há remédio para isto? Claro que não.
Já se sabe que não há espanto num profissão destas, o que aparece não pode causar espanto, há interesses a defender, não é isso que está em causa. Está em causa, não os problemas que o mandatário resolve, que é para isso que se está aqui, mas os problemas que as pessoas que procuram o mandatário fazem por criar.
Só para lixar os outros.
É isto a humanidade.

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