segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Reveillon

A Bona Mater Familias deseja a todos um feliz 2008.
Até para o ano.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Encosta-te a Mim




Encosta-te a mim,
nós já vivemos cem mil anos
encosta-te a mim,
talvez eu esteja a exagerar
encosta-te a mim,
dá cabo dos teus desenganos
não queiras ver quem eu não sou,
deixa-me chegar.
Chegado da guerra, fiz tudo p´ra sobreviver
em nome da terra, no fundo p´ra te merecer
recebe-me bem, não desencantes os meus passos
faz de mim o teu herói, não quero adormecer.

Tudo o que eu vi,
estou a partilhar contigo
o que não vivi, hei-de inventar contigo
sei que não sei, às vezes entender o teu olhar
mas quero-te bem, encosta-te a mim.

Encosta-te a mim,
desatinamos tantas vezes
vizinha de mim, deixa ser meu o teu quintal
recebe esta pomba que não está armadilhada
foi comprada, foi roubada, seja como for.

Eu venho do nada, porque arrasei o que não quis
em nome da estrada, onde só quero ser feliz
enrosca-te a mim, vai desarmar a flor queimada
vai beijar o homem-bomba, quero adormecer.

Tudo o que eu vi,
estou a partilhar contigo o que não vivi,
um dia hei-de inventar contigo
sei que não sei, às vezes entender o teu olhar
mas quero-te bem, encosta-te a mim


Jorge Palma



O que faltou no post anterior.


AS

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

VII





Porque há Natais que começam lá para fins de Maio.




AS

Saúdinha, é o qu'é preciso!


Tuomas Holopainen, Nightwish
Pela genialidade e pela mestria.
Parabéns.
AS

Merry Christmas!!!!




AS

domingo, 23 de dezembro de 2007

Feliz Natal

A Bona Mater Familias deseja a todos os seus leitores, e também a quem nunca cá pôs os olhos um óptimo Natal.

Boas Festas.

sábado, 22 de dezembro de 2007

Fim da Linha

- 3 meses tomados por 6 levam a melhor no que à avaliação discricionária diz respeito. Nada a fazer ; é o sistema.

- Não se brinca aos caixotinhos com quem tem a faca e o queijo na mão. Dá mau resultado pisar os calos a quem manda. Nada a fazer ; é mesmo assim.

- Quem é burro, fode-se, verdade absoluta e incontornável. Não há nada pior do que viver no meio de espertices quando não se tem nada de inteligente para oferecer. Nada a fazer ; é a vida.

- Quem escolhe o caminho do Direito Público não se arrepende, porque a Constituição estará sempre com o publicista.

- A boa companhia faz milagres. Está quando é preciso, traz a luz às trevas mais fechadas, é o essencial para mostrar o relativismo da Casinha cheia de Monstros Civilistas.

- O fim da linha não é bem o fim ; porque para o ano há mais, e não é pouco. Vêm aí mais 3 meses, mais caixotes, mais burrice, mais direito público e privado.
Venha o que vier, desde que a companhia permaneça.
A mesma, a melhor, perfeita.






AS

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

"Haja o que Houver"



A música sobre a qual escrevi no post anterior.
Ouvi-la multiplica os efeitos do poema que contém.




AS

domingo, 16 de dezembro de 2007

A Força do Verbo

Haja o que houver, eu estou aqui
Haja o que houver, espero por ti

Volta no vento o meu amor
Volta depressa, por favor

Há quanto tempo já esqueci
Porque fiquei longe de ti


Cada momento é pior
Volta no vento por favor

Eu sei
Quem es para mim
Haja o que houver
Espero por ti

Há quanto tempo já esqueci
Porque fiquei longe de ti

Cada momento é pior
Volta no vento por favor

Eu sei
Quem es para mim
Haja o que houver
Espero por ti

Eu sei, eu sei
Quem es para mim
Haja o que houver
Espero por ti


Madredeus


Hoje queria contar uma história, mas não tinha palavras para ela. Porque ficava muito acima daquilo que os meus vocábulos alcançavam. Por mais que procurasse, não encontrei o que fosse suficiente para a descrever.

Então, encontrei isto. Poema que diz tudo, que me roubou as palavras, a melodia que as envolve, a mensagem que queria passar. Por isso alguns são geniais, e outros meros mortais que não se sabem expressar.



AS

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Falai no Mal ...




Por falar em falhas de comunicação, mesmo a calhar.
Não no todo, não a 100%, mas faz lembrar qualquer coisa.






AS

Falha de Comunicação

O que é :

- falha no envio da mensagem
- falha na recepção da mensagem enviada
- problemas ao nível da audição
- problemas de interpretação
- mensagem pouco clara

O que passa a ser :

- conversa de surdos
- precipitação
- impulsividade
- paranóia desmesurada
- parvoíce estupidamente amorosa
- 2,5l de lágrimas
- final feliz



AS

Querido Pai Natal

Mais um ano, mais um Natal que se aproxima. Este ano chegou rápido, nem sei como não vi o tempo passar. É daqueles tempos que passamos a vida a querer que chegue, e quando finalmente cá está nem se dá por ele. Que ironia.

Mas, ironias e sarcasmos à parte, não te escrevo para te pedir presentes, com a desculpa de que fui extremamente bem comportada e boa menina.
Na verdade, fui a mesma cabra de sempre. Fiz asneiras, umas atrás das outras, como sempre. Não me contive a pensar que devia ser boa ou má, simplesmente fiz. Também fiz coisas boas… quer dizer, devo ter feito, mas não me lembro.
Fizeram-me coisas menos boas também, e como boa menina que pretendo ( não ) ser, não perdoei, e espero ardentemente que venha o tempo em que possa pagar na mesma moeda. Também me fizeram coisas boas, dessas, só me lembro de uma, que continuo a prezá-la do meu lado.
Por isso, não preciso de me justificar e dizer como fui boazinha, porque não é verdade, e rastejar, pedinchando presentes que já sei que toda a gente me vai dar. Não consigo ver o tamanho da estupidez de semelhante atitude, e fazer as crianças passar por isso é do mais idiota, e até cruel, que se pode fazer ; fazer penar alguém pelos supostos pecados cometidos só para, no fim, receber uns quantos presentes no sapatinho é ridículo e altamente maldoso. Ainda para mais, tendo em conta que são pequenos e que não tem exactamente a capacidade de se portarem bem a tempo inteiro. Não tenho ideia de qual será o propósito subjacente a isto, mas deve ser algum.
Muito estúpido, mas com certeza, existente.

As futilidades habituais já os suspeitos do costume mas vão dar ; de resto, não preciso de nada, obrigado. Por isso, também não preciso de me portar bem, já que sou a prova de que bom comportamento e bons presentes não andam necessariamente de mãos dadas.

Essencialmente, escrevo para te mandar pastar. Não!, para te mandar à merda, que é mais correcto para com as minhas intenções.
Porquê? O grande motivo acabei por já o explanar ; não percebo qual é a ideia de incutir em criancinhas o espírito do cinismo, da hipocrisia e do consumismo atroz, de se fazerem boas e portarem-se bem para terem mais um ou outro brinquedo que, nos dois meses a seguir às festas estará destruído, desmontado, desaparafusado, amolgado, quebrado.

Não entendo qual será o objectivo de incutir uma cultura de interesseirismo, de fazer alguma coisa para obter um bem material.
É esse o espírito do Natal? E afinal o que é o espirito natalício? Aquele que faz com que as pessoas que durante um ano inteiro se tratam mal, se violentam, se maltratam ou pura e simplesmente, se ignorem, se juntem agora na mesma mesa e comam da mesma travessa? Aquele que faz com que, por uma noite, todos finjam ser felizes, mesmo que não o sejam, nem desejem estar uns com os outros?

É para isto que há o Pai Natal? Para ensinar as futuras pessoas crescidas a tornarem-se cínicas quando chega o mês de Dezembro? É isto que se pretende, ao invocar-se e idolatrar-se, até, a figura do Pai Natal?

Parece-me que sim, que é este, de facto, o objectivo principal. Para que todos tenhamos uma época festiva feliz e despreocupada, fingimos todo ser bons, ser simpáticos e altruístas, fingimos gostar todos uns dos outros ; assim, recebemos mais presentinhos e o bacalhau cai-nos melhor.
Porque no resto do ano, não há Pai Natal. Não há bondade nenhuma, porque também não há presentes para receber. Não há simpatia nem altruísmo, porque todos se marimbam para quem se senta à mesa da Consoada. Porque, afinal, funcionamos todos como os burros, que só andam para a frente, se o homem que estiver em cima lhe puser uma cenoura à frente dos olhos, que o faz mover. Nada nos distingue.

É esta a ideia que se quer transmitir do Pai Natal? Que não passa de um velhaco que ensina trafulhices consumistas aos putos?
Prefiro pensar que não existes de todo. E por isso, mando à merda uma inexistência material.
Feliz Natal.




AS

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Musicalmente Sonhando



É o que dá ouvir músicas velhas antes de adormecer.
Do melhor do meu baú.



AS

Clarividências

Vejo um dia de inverno, vejo o vento que bate na janela e faz os vidros dançarem nos caixilhos. Vejo o frio que ataca as pessoas na rua, que as faz andar completamente cobertas com cobertores de calor. Vejo o sol, tímido, que espreita entre as nuvens escuras.
Vejo vidas que correm na minha frente. Umas que se acabam, outras que começam. Outras ainda que simplesmente, estagnam ; e ali ficam. Ficam quietas, sossegadas, imóveis ; vêem outras vidas passar, sem notarem, sem preocupação, sem mágoa ou mácula. Não se mexem, não morrem. Mas também não vivem. Simplesmente existem.
Vejo o que não se mexe, inerte, amorfo, quieto no seu canto à espera que a vida aconteça. Vejo o que se gasta e se consome, que se destrói e amargura por causas perdidas, por coisas perdidas, por experiências já vividas.
Vejo quem não consegue lutar sozinho, se arrasta na corrente, que não tem força para se levantar e correr.
Vejo quem se afoga sozinho, com o frio a invadir-lhe os pulmões, a perfurar-lhe a carne, a apodrecer o último laivo de esperança.
E a seguir morrem. Sozinhos. Tristes. Abandonados.
Vejo tudo isto pela janela, num dia de inverno.
Janela que não mostra o meu reflexo.





AS

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Porque sim

Pensemos em auto-estima.
Consideremo-la baixa. Não! Nula. Inexistente. Reflexamente, tenhamos em conta a necessidade incessante, neurótica, quase obsessivas de aprovação: não por nós mesmos, não de olhar para o espelho e aceitar incondicionalmente aquilo que se tem, aquilo que se é, e no fundo, aquilo que, feliz ou infelizmente, é inato, mas o desejo íntimo e secreto de simplesmente pertencer, encaixar-se no perfil; ser aquilo que os outros esperam.
Abraçando esta vontade de demonstrar uma imagem de perfeição impecável, de corresponder às expectativas de sombras específicas que vão pairando ao longo da nossa existência, vamos esquecendo o nosso próprio desenvolvimento. Não somos nós, nem nunca seremos. Seremos para todo o sempre mutantes. Invólucros ocos que mudam consoante a brisa e se adaptam a humores e devaneios destas sombras.
É preciso ver a luz! Quebrar as correntes e viver!
Não é possível. O autómato em que nos tornámos não aprendeu a ganhar directrizes próprias, a conhecer o caminho e o medo de ser tarde de mais assombra-nos. O ciclo é vicioso e ter consciência dele e da sua irreversibilidade é o pior.
Tristemente perdemos a capacidade – ou então nunca ativemos de todo – de confiarmos em nós mesmos. Não somos seres resistentes; estamos agora e para sempre vulneráveis a insultos, a levar a peito impropérios injustos, a ser rebaixados sem causa justificativa, porque, em última instância não nascemos com a habilidade de simplesmente olhar para o espelho. Somos anorécticas da alma, e toda a vida veremos o que está diante dos nossos olhos de forma retorcida.
A auto-análise não está nos nossos genes; somos pisados, ultrajados e magoados e tudo porque nunca soubemos reconhecer o (grande) valor que temos.

E é por isso que não somos nada, somos ridículos.
Perdoem-nos. Resquícios de auto-estima baixa. Não! Nula. Inexistente.

SB

Can you hear me cry?

Há dias em que sair da cama é uma má jogada.
Há dias em que a estupidez flutua por cima da cabeça de toda a gente, inclusive de quem a vê flutuar acima dos outros.
Há dias em que apenas se vê coisa nenhuma, e sentido algum no que se está a fazer.
Dias em que ouvir os outros trautear asneiras, e ouvi-los sem ser capaz de pronunciar um única palavra que afaste as ditas asneiras.
E depois há pessoa, dentro destes dias recheados de pura parvoíce e idiotice atroz, que salva um dia que não merecia ser salvo, uma vez embuído do espírito da auto-destruição.
Este é um dia desses.
A pessoa esteve lá.
Sempre.



AS

Divagações Paulianas

Falemos de utilidade : o que é e para que serve.
Utilidade traduz-se nos furtos produtivos de uma qualquer acção. É útil aquilo que se faça que vá trazer algum proveito no futuro.
Serve essencialmente para ensinar qualquer coisa a quem o faz. Ou para trazer algo de positivo a quem empreende tal acção.
Ora, quando aquilo que é suposto fazer não dá qualquer fruto, não traz proveito algum, não dá vantagem nenhuma, quando não ensina nada de novo, quando não dá nada de positivo, para quê fazer? Para quê?
Para perder tempo.
Porque se perder tempo é a coisa mais estúpida que há a fazer, então porque não não fazê-la?
Qual é o sentido disto?





AS

Decoração de Interiores II

O cúmulo de todas as analogias que se podem fazer neste âmbito é aquela que atravessa toda uma vida, sem alterações. Ainda existem nuances nos outros comportamentos descritos, nem tudo é tão selvagem nem tão brutal como na infância ; há todo um jogo de subtilezas e subterfúgios que tornam o mundo dos adultos tão afastados do das crianças.

Porém, nem todas as vivências sociais adquiridas ao longo de uma vida são capazes de camuflar o mais básico, uma espécie de instinto : ciúmes. Inveja. Dor de corno. O que se queira chamar.

Porque tal como uma criança ciumenta se torna ( ainda mais ) cruel, mais mesquinha, porque se vê confrontada com a possibilidade de haver mais gente no mundo para além dela mesma, assim agora o adulto, que para além de ciumento, se torna irreflectido, igualmente odioso e inconsequente.
Rapidamente deixa de ser amoroso e querido para se tornar um monstro devorador de paciência e bondade alheias, transformado num ser repelente que não conhece fronteiras aos limites da velhaquice e na arte de humilhar e magoar quem está à volta.
Tudo porque vota vencido. Porque não levou a sua avante. Porque perdeu.

Todas as crianças serão assim, pelo menos, nalguma altura das suas vidas. A vantagem é que a maioria aprende rapidamente as artimanhas sociais, peritas na arte de disfarçar, tornar ténues os traços menos bons da personalidade.
Curioso é como algumas, as que crescem, as que se tornam adultas, não se dão ao trabalho de disfarçar semelhantes acções, e exibem-nas por aí, com requintes de malvadez.

Curioso como nunca ninguém se lembrou que, às vezes, o melhor remédio para uma criancinha impertinente, egoísta, malvada e contagiada pelo espírito da estupidez, é uma bela duma solha, bem assente, como diria a mais típica das avózinhas, quando a fera mostra as garras.
E os adultos que fazem as mesma coisas, ainda terão avó que lhes assente dois sopapos nas ventas?



AS

Decoração de Interiores

Observar crianças a interagir com os seus pares é uma actividade engraçada. E produtiva. Através desta observação, consegue formar-se uma ideia de como estes pequenos seres poderão ser e agir mais tarde e, melhor ainda, consegue ter-se uma ideia generalizada de como outras crianças mais crescidas actuam no seu meio. Porque a diferença entre as crianças e os adultos, aparentemente, reside no comprimento das pernas e no volume do corpo.

Senão vejamos :
Quando uma criancinha não tem aquilo que quer, chora, grita, faz birra, incomoda toda a gente com o seu chinfrim endurecedor ; os adultos, quando contrariados, não choram, nem gritam, nem fazem chinfrim ( à frente dos outros, claro está ) mas a birra permanece, continua a ser feita, apenas mais discretamente ; mas o facto do petiz mimado que não tem o que lhe apetece, e por isso parte para uma valente má disposição, conduta patente no adulto, igualmente mimado, que faz cenas ridículas e que em nada devem à inteligência, quando as coisas não correm como o esperado. Retiram-se uns quantos berros, lágrimas de crocodilo e um espernear frenético, enquanto se bate vigorosamente com os punhos no chão, e a cena da infância poderia ser a da vida adulta. A subtileza é a grande diferença.

Mais : quando uma criancinha inocente entra num briga com uma outra criancinha, igualmente inocente, e não se consegue defender convenientemente, parte de imediato para a agressão, seja verbal ou física. A verdade é que a maturidade dos seres que se atacam mutuamente no recreio da escola não passa de uma pequena gota em toda a sua personalidade em formação, pelo que não lhes é exigível que se saibam comportar, sem parecerem que vivem na aldeia dos macacos, quando se envolvem em zaragatas.

Curioso é o facto de tal fenómeno se repetir quando as crianças crescem, se tornam crescidas, e interagem de maneira diferente com os outros membros da sociedade, que não toque os limites dos empurrões e das bofetadas à hora do intervalo. Talvez a violência não seja tão explicita, nem tão perceptível, mas o facto é que, quando não se encontra mais forma nenhuma de defesa, a melhor defesa passa a ser o ataque .
Quando o chupa-chupa se parte e não sobra mais nada senão o pauzinho, o que há a fazer é partir para a pancadaria ; quando o algodão doce se acaba, a solução é bater na velha que o vende.

A melhor defesa passa a ser um ataque de estupidez e baixo nível, que mostra o quão triste se é quando é necessário usar a força, mesmo que verbal, para se fazer valer. Porque não há outra maneira de sobressair sem ser a pisar os dedos de quem se encontra pendurado no abismo.
Tão fácil ser criança a tempo inteiro, e este tipo de atitudes ficarem justificadas pela ternura da idade e por uma crueldade própria do tempo jovem.





AS

sábado, 8 de dezembro de 2007

Presunção Ilidível

Tempo perdido é uma expressão extremamente usada no vocabulário das gentes habitantes no planeta terra. Não contentes com a complexidade da palavra e do conceito de tempo em si, crêem piamente que adicionar-lhe outro termo, não menos complexo, é facilitar de alguma forma a justificação de tantas outras expressões que ficam por explicar.

Perder, de facto, tempo é o que se faz todos os dias, seja em que circunstância for. É inevitável ; há sempre algo que se faz que não vale mesmo a pena, que não dá frutos nenhuns, que só serve para dar coisa nenhuma a quem o faz. Não há um único dia em que pelo menos um minuto não seja dedicado ao lazer de perder tempo com alguma coisa. A questão é que perder tempo não é o mal em si.

Pior, é a presunção de que se pode recuperá-lo, de que se pode voltar atrás e fazer como se nada se tivesse passado, como se o tempo que se gasta a fazer o que provavelmente não se devia pudesse andar para trás, como se tivesse um botão de rewind nos fundilhos.Presunção essa que se torna idiota até à exaustão quando quem a quer fazer funcionar insiste em procurar incessantemente o dito botão, mesmo estando farto de se saber que nunca existiu.

Se a noção de tempo pedido é complexa, e até descabida, mais estúpido se torna a vontade de recuperá-lo por força da activação de uma presunção que só com muita sorte não é inconstitucional. Se há coisa que não é passível de alteração, ou de recuo é o tempo. Mesmo que a seguir venha arrependimento, ou remorso, ou consequências nefastas do que foi feito, mesmo que venha perdão, reconciliação, retorno da situação antes existente, o que foi feito é apagado. Fica marcado, apontado na linha do tempo, mesmo que seguidamente venha uma rectificação do acto viciado. Nada se apaga, não se esbate, mesmo que seja esquecido. Porque o tempo tem boa memória.

Recuperar tempo perdido é uma perda de tempo em si. Porque não é possível voltar atrás com o tempo, muito menos com o tempo que se perdeu. Há inutilidades a que se dedicam horas, minutos do dia, porém esse tempo fica sempre dedicado a essas mesmas futilidades ; não se pode subtrair tempo ao que não interessa para aplicar no que se julga interessante quando já se gastou tempo na primeira hipótese. Gastou-se, acabou, expirou. Não é passível de recuperação.

Recuperar tempo perdido não existe. Não é possível. Passou o momento. Passou o tempo. Não há volta, sem retorno. O que se faz é tentar colmatar as falhas do passado com o tempo que se tem presentemente. E mesmo assim, se me perguntarem, já se vai tarde. Mais uma vez, perde-se tempo, que a seguir faz falta para qualquer coisa mais interessante, e que inevitavelmente, se vai sentir que a perda de horas pesa novamente na medida da presunção. Totalmente ilidível.





AS

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Só Hoje




Para dias em que o cansaço aperta, e não há mais força para recordar músicas diferentes das que estes senhores fazem. Já sei que os "cito" muitas vezes, mas nunca é demais, porque são mesmo bons naquilo que fazem. Mesmo bons.

"Ohne Dich", Rammstein in "Reise, Reise".





AS

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

O Silêncio da Norma

Sentados, direitos, pernas em ângulo recto ; calados, livros abertos, folhas brancas por preencher, canetas frenéticas que se agitam sobre o papel. Cabeças baixas, olhos que varrem frases, sem nexo, sem pontuação ; apenas vêem. Agitam-se os braços, as mentes, mordem-se os lápis, mordem-se os nervos. Mordem-se as angustias de um tempo que podia ter sido melhor aproveitado, apontamentos que não se leram, páginas que se passaram à frente, leitura que não interessa. Fica tudo presente no momento em que a mão quer escrever o que o cérebro não se lembra.

Uma cadeira de intervalo, centenas de figuras, uma sala cheia de pensamentos fervilhantes, uns esquecidos, outros por concretizar. À volta, mais gente se prende com frases que não batem certo, com memorandos que não dizem tudo, filas e filas de linhas de letras negras dançantes, que bailam diante dos olhos, sem nada para contar. Nada disso agora interessa ; é tempo de mostrar o que se fez nos últimos dias, em que o sono atraiçoa quem confia, e a falta de tempo cobre com o seu manto a pouca vontade de levar por diante um objectivo.

Livro aberto, páginas dobradas, cantos escrevinhados com memórias de última hora. Um derradeiro olhar para as histórias que conta, sem esperança de ler alguma coisa que ajude a atenuar o que nasce do que devia estar sabido. Mas não se sabe. Está em branco, o livro. Nada diz ; está tudo omisso, falta dizer tudo, falta escrever tudo, falta ler aquela página que se saltou porque o velho que a escreveu, afinal, não sabia o que estava a escrever. Ou talvez soubesse, e daí nasce a doutrina ; das mãos de um velho que julgava saber tudo sobre a norma, que a conhecia e fazia dela a sua casa.

As figuras agitam-se, terminam frases, revêm conceitos, aditam argumentos ao texto brilhantemente coerente. Arrastam os pés no chão, revolvem-se nas cadeiras, espreitam quem está ao lado, num gesto tão característico de puro desespero.

Faltam 5 minutos.

Folhas dobradas, identificadas, profundamente vincadas pelos sulcos da tinta que as mancha. Tempo para reler o que foi escrito. Nada a acrescentar ; não é possível alisar os vincos no papel maculado pelo colorido assassino de uma caneta que não sabe o que escreve. Está feito.

O livro continua aberto em cima da mesa, abandonado, prostrado. As histórias contadas por ele não mais serão lembradas ; não há nada que as distinga. Relata contos de carrascos, sagas de crimes, ondas de leis que salvam agentes de penas gravosas. Nada, não diz nada. Fica tudo apagado no burburinho das figuras que se levantam e vão embora, levando os seus pertences e conversas de bolso sobre penalidades temporais. Nada, não dizem nada. Esquecem-se do que foi dito no segundo seguinte.

Porque a norma levou a melhor, até sobre o velho que sabia tudo sobre ela, que conjecturou a sua vida à volta dela, que teceu enormes considerandos sobra a sua essência.

Porque a norma está, hoje, em silêncio.




AS

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Dos crimes contra a Propriedade

Coisinha vai na rua quando, nada ciente da sua limitada capacidade cognitiva, se lembra de ir roubar laranjas ao pomar do Sr. Taipa, que a vê em pleno acto de furto, e a denuncia às autoridades, não sem antes lhe assentar duas valentes solhas nas ventas.
No dia seguinte, entra em vigor uma alteração ao Código Penal, que vem penalizar o furto de laranjas em 5 meses de trabalho comunitário a limpar latrinas nos hospitais e asilos à infância desvalida.
Ainda no âmbito dessa alteração ao diploma penal, o artigo referente ao furto de laranjas passa também a abarcar :

a) inimputáveis e demais diminuídos ;
b) gorilas ;
c) quem se pareça com os seres descritos nas alíneas anteriores, mesmo sem sentença de interdição ou certificado do jardim zoológico da área de residência.

Como poderá Coisinha escapar desta?






AS

domingo, 2 de dezembro de 2007

Todos querem governar o mundo




Welcome to your life
There's no turning back
Even while we sleep
We will find you
Acting on your best behaviour
Turn your back on mother nature
Everybody wants to rule the world

Its my own design
Its my own remorse
Help me to decide
Help me make the most
Of freedom and of pleasure
Nothing ever lasts forever
Everybody wants to rule the world

Theres a room where the light wont find you
Holding hands while the walls come tumbling down
When they do Ill be right behind you

So glad weve almost made it
So sad they had to fade it
Everybody wants to rule the world

I cant stand this indecision
Married with a lack of vision
Everybody wants to rule the world
Say that youll never never never never need it
One headline why believe it ?
Everybody wants to rule the world

All for freedom and for pleasure
Nothing ever lasts forever
Everybody wants to rule the world




Um grande clássico de uma década de ouro para a música.
Para abrir um sorriso num domingo completamente cinzento.

( Tears for Fears, "Everybody wants to rule the world" )




AS

Fica esta gente na história por coisas destas...3


« Doublethink significa a capacidade de albergar no espírito simultaneamente duas convicções contraditórias, aceitando-as a ambas. (…) Este processo tem de ser consciente, ou não seria levado a cabo com suficiente precisão, mas também inconsciente, ou acarretaria um sentimento de falsidade e portanto de culpa. O doublethink é a pedra de toque do Ingsoc, uma vez que a atitude fundamental do Partido consiste em recorrer à fraude consciente, mantendo ao mesmo tempo a firmeza de propósitos que acompanha a honestidade absoluta. Dizer mentiras deliberadas, nelas acreditando com sinceridade, esquecer qualquer facto que se haja tornado incómodo, para depois, quando de novo necessário, o arrancar ao esquecimento enquanto for preciso e nunca por mais tempo; negar a existência da realidade objectiva continuando a levar em conta a realidade negada - tudo isto é absolutamente indispensável. (...) Porque o segredo da governação consiste em combinar a crença na nossa própria infalibilidade com a capacidade de aprender com os erros cometidos.»

Orwell sabia, e já o dizia. Achei apropriado partilhar ensinamentos.
George Orwell, 1984

SB

sábado, 1 de dezembro de 2007

A Carta V

Cara Amiga :

Sinto-me gorda, pesada, disforme. Não estou em mim, não estou na minha melhor forma. Estou fora dos meus padrões, fora da minha linha.
E não estou a gostar. Não estou a gostar mesmo nada. Detesto ver-me assim ; pior, não consigo ver-me nem fazer-me mais pequena. Estou enorme.

Não consigo deixar de comer abundantemente. Não consigo parar para pensar que posso estar a seguir um caminho sem saída possível ; só penso que será, com toda a certeza, uma fase, que passara algum dia, enquanto me afogo em pacotes de bolachas e batatas fritas. Porque as calorias trazem-me o calor interno que perdi há muito tempo. Porque enquanto estou a comer não penso no que verdadeiramente incomoda, mas no que é também verdadeiramente importante ; deixo de ver o que me dói ver, deixo de sentir o que não queria sentir. Deixo, simplesmente, de viver para passar a comer, e comer passa a ser a minha vida.

Porque há coisas que demoram a ser esquecidas. Há coisas que custam a ser digeridas. Há coisas que doem. Tal como a comida mal mastigada custa a engolir, também factos existem que não se desvanecem só porque se decide fingir que eles não constam. Há coisas que martelam o espírito, que não o deixam em paz. E o espírito tem ligação directa com o estômago, e por isso como. E pensar nestas coisas que não quero pensar nem ver faz-me ter vontade de comer. E como. Desenfreadamente.

Tens-me pesada, cara amiga. Muito pesada.

Cumprimentos,

Aquela que te atura.



AS

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Hoje só lá vai assim




How does it feel
To treat me like you do
When youve laid your hands upon me
And told me who you are

I thought I was mistaken
I thought I heard your words
Tell me how do I feel
Tell me now how do I feel

Those who came before me
Lived through their vocations
From the past until completion
They will turn away no more

And I still find it so hard
To say what I need to say
But Im quite sure that youll tell me
Just how I should feel today

I see a ship in the harbor
I can and shall obey
But if it wasnt for your misfortunes
Id be a heavenly person today

And I thought I was mistaken
And I thought I heard you speak
Tell me how do I feel
Tell me now how should I feel

Now I stand here waiting

I thought I told you to leave me
While I walked down to the beach
Tell me how does it feel
When your heart grows cold
(grows cold, grows cold, grows cold)




É esquisito, mas soa bem.
Música que salva pessoas de muitas situações, melhora sempre quem a ouve.
Praticamente um clássico, por assim dizer.

( Orgy, "Blue Monday" )


AS

O que é de Direito ?

EIRL vai a um estabelecimento e pede meio quilo de firmas. O caixeiro, solicitamente, informa-o que as firmas estão esgotadas, devido ao fluxo de consumismo por causa da época festiva que se aproxima,e se não quererá antes o senhor levar antes meia dúzia de insolvências, que dão a mesma serventia.

EIRL, extremamente ofendido por ter sido confundido por um apreciador de reles insolvências, atira com uma resma de trespasses à cabeça do caixeiro, e ainda quatro ou cinco sociedades comerciais, e uns quantos consórcios que atingem na face o pobre caixeiro, e ainda o gerente, que ficam feridos na sua obrigação de não concorrência.

Acusado de espalhar a violência e a discórdia no meio comercial, EIRL quer ser ressarcido por não haver firmas disponíveis quando necessitava delas para alimentar o seu RNPC, e ainda por danos morais, uma vez que tinha uma franquia em casa à espera que não gostou da sua demora e se foi embora antes do atrito se resolver.

Quid juris?

O jurista avisado, neste caso, não responderia o célebre "depende", uma vez que, ao ter conhecimento de tal caso, teria dado um Veiga Beirão no meio dos olhos, e morrido de tédio.







Moral da história : não se pode confiar no discurso de alguém no dia em que entrou em diálogo com o mercantilismo.




AS

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Dedicado à Blogmate

Não consigo dominar
Este estado de ansiedade
A pressa de chegar
P'ra não chegar tarde
Não sei de que é que eu fujo
Será desta solidão
Mas porque é que eu recuso
Quem quer dar-me a mão
Vou continuar a procurar
A quem eu me quero dar
Porque até aqui eu só:
Quero quem quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi
Esta insatisfação
Não consigo compreender
Sempre esta sensação
Que estou a perder
Tenho pressa de sair
Quero sentir ao chegar
Vontade de partir
P'ra outro lugar
Vou continuar a procurar
A minha forma
O meu lugar
Porque até aqui eu só:
Estou bem aonde eu não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde eu não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou
Estou bem aonde eu não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde eu não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde eu não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou
António Variações
AS

Racionalizar abundantemente a existência

Sentes-te sufocada pela tua própria existência.
Lidas com conflitos a toda a hora. Tens picos de ansiedade.

De querer estar com ele, o que te assola, consome, exige imediata satisfação, e negá-lo provoca-te náuseas, batimentos dessincronizados, suores frios, dor.

De querer gritar, espernear e não o poder ver à frente: pequenas palavras, gestos singelos que despoletam o ódio e lembram novamente o porquê do rancor latente. Detesta-lo com todas as tuas forças, afasta-lo, abominas a sua presença, queres apenas que ele desapareça, morra de vez.

De querer seguir em frente: belos são os dias em que a indiferença vence, envolves-te na azáfama que é a tua vida e tudo o que te rodeia, e ignora-lo.Pões uma venda nos olhos, direccionas-te para novos mundos, novas cores, novos dias. E nada funciona!

De querer apagar os ciúmes que por vezes também te consomem; ficas verde, roxa, de todas as cores. Vives todos os estados de espírito possíveis; pedes à razão, à idade, ao bom senso que julgas ter, que te acalmem as inseguranças e tragam a paz para dentro de ti. Infrutífero. Sentes-te irascível, colérica, raivosa, frustrada! E nada funciona.


O tempo cura? Não. Resulta por momentos. Impasses, humores e capricho criam o compasso, ditam o ritmo, influem na tua decisão diária. Esquecê-lo, sim. Não hoje, num amanhã...Um dia. Quando? Quando for possível. Quando vires finalmente os defeitos, quando perceberes que não vale a pena. Quando o cansaço levar a melhor.

SB

[a mater tinha saudades minhas, e eu da mater, perdão pelo interregno]

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Sugestões Natalícias

Para quem tenha insónias e se pele por um pouco de sado-masoquismo, aconselho vivamente a leitura de Colectânea de Direito Comercial e Legislação Conexa.
Dói bastante e dá sono.
Uma boa ideia para as prendas do Natal, que se aproxima.




AS

domingo, 25 de novembro de 2007

VI

Porque nem tudo o que se declara como definitivo e claro tem de o ser exactamente nesses termos para toda a eternidade. Afinal, nem todos os dogmas que se puseram de parte para serem substituídos por outros dogmas, igualmente idiotas e desprovidos de senso como os anteriores, são tao descabidos como antes pareciam ser.
Talvez, nem sejam dogmas de todo, mas são fulcrais ; tão fulcrais, que se pergunta onde se andou para não ver a essencialidade dos mesmos.
Mesmo que sejam dogmas, ou frases feitas, ou chavões, ou factos inquestionáveis, ou simplesmente, conclusões de quem não tem mais nada que fazer senão amargurar toda uma existência, ficam de parte, o que deveria ficar retido na mente, para não mais ser esquecido.
Devem existir momentos, em alguma altura da vida, em que se esquece de onde se veio, o que se fez, onde se andou, quem se foi, para viver unicamente com um objectivo. Devem existir horas, minutos e segundos, mesmo que ilusoriamente, não se respira, nem o coração bate, apenas se vive para contemplar o objecto de adoração.
Existem esses momentos.
Existem, e não são propriamente poucos.
Para quem andou décadas a tentar eliminar o sentido do sentimento e a existência do mesmo à face da terra, esbarrar com ele, viver com ele, respirar com ele, constatar que ele vive e respira também é a melhor das constatações.
Afinal, qual é o pessimista que não gosta de ser surpreendido, frustrando as próprias projecções pela mais positiva das perspectivas?
AS

sábado, 24 de novembro de 2007

Chá da Pérsia - Parte VII

- Espere!
- O que é agora?- gritou o génio, recuperando o acesso de mau humor.
- Posso desfazer os dois primeiros desejos que me concedeu?
O homem reagiu como se tivesse levado uma pancada na cabeça.
- O quê?? Então está aqui um tipo a ser simpático, a conceder desejos a quem tropeça nas coisas porque não vê por onde anda, e vem-se-me esta tipa com estas lérias?- o mau humor regressara em força, mostrando o seu lado feio. – Não há vergonha! Nem consideração por ninguém, pelo trabalho dos outros! Quem penas tu que és para desprezares o que te é dado dessa maneira?
- Não é nada disso, tenha calma. Deixe-me explicar
- Explica-te! - ordenou o génio.
- Acho que não vou precisar dos outros desejos. Se serei feliz, como o senhor me faz crer, não precisarei de ser extraordinariamente rica, nem de ter uma saúde inesgotável. Não preciso desse dinheiro todo, posso trabalhar para ter o que comer.
- Então e a saúde inesgotável? Não precisarás dela?
Pensou uns segundos. A resposta surgiu resolutamente.
- Mesmo que morra aos 40 anos, terá valido a pena. Prefiro definhar e morrer jovem, sabendo que tive o que queria, que fiz o que queria, que fui realmente feliz, do que viver indefinidamente sem nada que me suporte, que me complete.
Por momentos, parecia que o homem iria ter um outro ataque de fúria e má disposição. Depois, os lábios rasgaram-se num enorme sorriso.
- Compreendo. Uma escolha acertada, se me perguntarem. Afinal, pode resumir-se tudo num único desejo. Tenho que comunicar ao meu patrão. Como é que ninguém se lembrou disto antes?
- Então, pode inverter o que lhe pedi antes?
- Já esta feito.
Foi a vez dela sorrir.
- Obrigado.
- Não estavas atrasada? – gritou o homem de novo. – Vai-te embora! Tenho mais que fazer!
Virou costas, deu uns passos para continuar a descer a rua, quando se lembrou. Voltou a virar costas ao destino que seguia para falar com o génio.
- Voltarei a vê-lo? - perguntou.
Mas o homem já não estava lá.
Do fumo azulado e da chaleira velha, nem sinal.
Tinham desaparecido.
AS

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Chá da Pérsia - Parte VI

Era um isqueiro, branco, com letras publicitárias já gastas, e todo riscado. Surpreendida, olhava do isqueiro para o homem, sem compreender. Instintivamente, tentou acender o isqueiro repetidas vezes, mas nada aconteceu.
- Não funciona.
- Eu sei.
- Como?? Então, para que mo deu?
- Porque te concedi o desejo.
Não podia acreditar no que estava a ouvir.
- Como assim?
- Pediste-me para ser feliz. Está aí.
- O quê?
- Ouviste o que te foi dito.
- Então o meu desejo de ser feliz, aquilo pelo qual terei que pagar um preço é afinal um isqueiro que não funciona?
O homem bufou, num misto de impaciência e vontade de dar o caso como completamente perdido.
- Não, estúpida! O isqueiro não é o teu pedido de felicidade. Mas vais precisar dele.
- Para quê?
- É o começo de tudo.
- De tudo o quê, exactamente?
- Bolas, que és mesmo chata! Não disseste que acreditavas em mim? Então, pára de questionar tudo e de fazer perguntas, e aceita o que te digo ; esse isqueiro é o início de tudo. Confia em mim.
- Tenho vontade de confiar, mas não consigo quando não percebo como é que um isqueiro que não funciona me vai ajudar a ser feliz!
- Olha lá esse tom insolente!- respondeu ele, zangado - Deixa de ser desconfiada. Acredita que vais saber como usá-lo na altura devida. Eu sei que ainda não percebes!- apressou-se ele a dizer quando viu que ela se preparava para o interromper novamente.- Mas vais perceber. Brevemente, vais perceber. E já, agora, vê se te despachas.
- Para quê? Não tenho pressa.
- Mas passas a ter agora. Vê se apanhas o metro o mais rapidamente possível.
- Mas para quê?? Não estou a perceber nada!!
- Não é suposto. Já te disse que mesmo que não percebas, quando chegar a altura, saberás o que fazer.
- Eu …
- Vá, agora, não há tempo para mais interrupções e perguntas estúpidas. Tens que ir. Tens que te despachar.
- Mas …
- Não há tempo. Vai.
- Mas eu não …
- VAI!!
- Pronto, pronto, eu vou … er… obrigada. Creio eu ...
- Não sei porque me estás tu a agradecer, quando no fundo não acreditas mesmo que tenha feito alguma coisa por ti …
- Eu …
- Vá, vai-te lá embora. Já vais atrasada.
- Mas…
- Porra, VAI!!
Começou a andar, sempre de olhos fixos no estranho ser envolto em fumo.
Nada daquilo parecia real. Mais parecia um sonho bizarro, tirado de um filme estranho. Não podia ser verdadeiro. Tinha a sensação de que iria acordar não tardava muito. Porém, continuava a caminhar, sentindo-se tão alerta e consciente como antes. Estacou no meio da marcha, e voltou-se para trás.
AS

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Chá da Pérsia - Parte V

- Vamos lá ver! – o homem vinda da chaleira colocou as mãos à volta da cintura, num gesto de desafio.
- Quer explicar-me? Por favor?
O homem pareceu reconsiderar, por breves instantes. Depois, fingindo que não tinha havido qualquer interrupção, prosseguiu.
- Como é realmente importante o que me pediste, terá de ter uma contrapartida, o tal preço que te disse. Exactamente por ser de extrema importância, muito acima de dinheiro e imortalidade, é que é muito mais valioso, logo tem que ser trocado por outra coisa.
- Porquê?
- Para que lhe possas dar valor. O devido valor.

Ela ficou em silêncio, tentando adivinhar o que lhe seria pedido em troca do seu desejo.
- E qual é o preço que terei de pagar?
- Há gente que não vai ficar lá muito contente com o facto de seres feliz.
- Há?
- Pois. Não vão ficar mesmo nada contentes, vão-te fazer passar um mau bocado. Não vão gostar de te ver bem, vão-te fazer mal.
- Mas como? Ciúmes, ou assim?
- Mais ou menos. Dor de corno, diria eu, mas isso já é a minha opinião. O que é certo é que não vão ficar nada contentes, nada satisfeitos com isso.
- Então, eu vou deixar de ser feliz por causa dessas pessoas? Porque elas me fazem mal, eu deixo de ser feliz?
- Não, por tu seres feliz é que te vão fazer mal. Mas tu não deixas de ser feliz, nada disso. Vais é ter que, de certa forma, arcar com esta consequência. É o preço a pagar.
- Mas então e se eu não quiser saber? Se me estiver a borrifar para que não fiquem contentes comigo, se eu me estiver as tintas?
- Não serão pessoas quaisquer que se revoltarão.
- Não?
- Não. Vai-te custar. Mas é o preço.
Remeteu-se ao silencio, à espera da resposta dela. Um segundo depois, já ela parecia pronta para lhe responder.

- Aceito.
- Aceitas? - perguntou ele, surpreendido com a rapidez da resposta.- Olha que isto não é a brincar, é mesmo muito a serio. Tens a certeza?
- Tenho. Disse-me que não serão pessoas quaisquer a ficarem descontentes, não foi? Ora, não podem ser meus superiores hierárquicos, que ainda estudo, não tenho emprego, também não tenho patrão, também não posso ficar na rua. Logo, devem ser outras pessoas próximas de mim, então. E se assim for, ainda bem que é desta forma ; é assim que se vê a verdadeira face das pessoas. Se me são próximas, mas não se alegram com a minha felicidade, então mais vale que não sejam próximas coisa nenhuma. Aí, verei com quem posso contar, poderei fazer uma escolha.
- Muito bem. – assentiu o génio, positivamente impressionado. – Gosto do raciocínio. Sabes o que está em jogo…
- Por acaso, não sei…
- Mas é como se soubesses! Miúda insolente! Enfim, se aceitas as condições, então posso conceder-te o desejo. Não será assim?
- Pode ser.
- Ok.- disse o génio. Do nada, fez surgir qualquer coisa, que fechou firmemente na mão.- Desejo concedido. E passou-lhe para as mãos o que tinha escondido nas suas.
AS

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Chá da Pérsia - Parte IV

O homem perscrutou-a com os seus olhos misteriosos.
- E isso significa exactamente o quê?
- Bom, ser feliz é … bom, não sei explicar, mas acho que … enfim, sabe como é … assim, tipo … feliz, mesmo feliz… está a perceber? Er …
- Se me fosse fiar no que dizes, até agora não tinha percebido nada. -disse o homem num trejeito de desdém.- Mas olha lá, os desejos que me pediste já não fazem de ti uma pessoa feliz? Tens tudo, dinheiro e saúde para o gozares, o que é que queres mais?
- Bem, são boas pretensões, e acho que fiz bem em pensar nelas primeira, - disse, um pouco a medo, receando que o génio do mau feitio lhe retirasse as benesses que dizia ter-lhe concedido. – Mas há outras coisas, outros aspectos que faltam. Gostava de completá-los.
- Estou a ver.- disse o homem, bufando mais uma vez – E isso consiste em quê?
- Er … estava a pensar em realização pessoal, mas …
- Já percebi o que queres dizer, porra!
- Já? Então?
- Sim, já. Já sei o que pretendes.
- Consegue ler pensamentos?
- Obviamente, se assim não fosse, da maneira que formulaste os dois primeiros desejos terias as tuas pretensões de forma completamente idiota.
- E percebe o que quero dizer com ser feliz?
- Sim, percebo, já te disse que sim. Mas tenho que avisar-te de antemão que este desejo tem um preço.
- Um preço? Como assim, um preço?
- Concedo-te o desejo, mas terás de dar algo em troca.
- E porque não funcionou assim para os outros desejos que pedi?- perguntou ela desconfiada.
- Porque este é diferente, não funciona como os desejos normais, por assim dizer.
- Normais? Mas este que agora pedi é especial?
- É, de certo modo, é. Tendo em conta que eu sei o que de facto pretendes com ser feliz, terá um preço que terás que pagar.
- E se eu não quiser pagar esse preço?
- Então escolhes outra coisa, que isto aqui não é da Joana. Quem dita as regras aqui sou eu!
- Desculpe, só estava a tentar perceber …
- Não há nada para perceber, ou queres assim, ou não queres, escolhes outra coisa e vais a tua vida!
- Desculpe, mas é que …
- Tanta pergunta faz o raio da miúda! Eu explico tudo, só para não ter que te ouvir perguntar mais nada! Este não é um desejo qualquer, se reparares nada tem a ver com os dois primeiros que formulaste.
- Mas o senhor disse que com eles que já poderia ser feliz, não acaba por ser uma mesma coisa o …
- Não me interrompas!
- Queira desculpar.
- Pfff.. bom, onde ia eu? Ahh, sim! Este desejo que agora fizeste é diferente dos outros, porque está muito além dos bens materiais que de certa forma pediste anteriormente.
- Mas a saúde não é um bem material.
- Se me voltas a interromper …
- Desculpe, desculpe! Não se torna a repetir.
- Pfff… bom … o pedido de ser feliz que me fizeste não tem nada que ver com o que anteriormente foi feito, porque nada tem que ver com materialidade. O dinheiro que me pediste, que agora é teu, e não se esgota, é uma futilidade que a esmagadora maioria das pessoas que me encontra pede imediatamente. Assim como outro pedido que me é feito frequentemente é a vida eterna, que tu acabas por me pedir também, só que camuflado de outra maneira. Se tens saúde, vais viver longamente, acaba por ser uma espécie de eternidade. Isto para a maioria das pessoas, é a noção de felicidade. Têm dinheiro e saúde, são felizes. Mas mesmo assim, isso não chega para ti, queres ir mais longe. Crês, mesmo tendo pedido as futilidades que toda a gente pede nestas circunstâncias, que a felicidade vai muito além disso. Porém, o facto de ir mais além tem um preço.
- Mas porquê? Isso não é lá muito justo, pois não?
- O mundo não é justo.
- Então, premeia-se a futilidade, como disse, e faz-me pagar preços de algo que é realmente importante?
- Não queres assim, podes ir andando.
- Não é isso! Só queria mesmo perceber, sabe? Não ando todos os dias a encontrar gente que sai de chaleiras na rua! – parecia que o mau feitio era contagioso.
AS

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Chá da Pérsia - Parte III

- Para quê?!
- Para os apanhados. Para aquelas partidas que dão na televisão que enganam as pessoas e …
- Eu sei o que são apanhados!- gritou o homem, completamente encolerizado- Como te atreves a duvidar assim de mim? Como te atreves a pôr em causa o que faço e a compará-lo com joguinhos idiotas?!
O fumo que os envolvia ia ficando cada vez mais escuro, deixando de ver as casas em redor.
- Pronto, pronto, não se zangue! Eu peço os tais desejos, eu acredito em si, a sério que sim …Posso pedir qualquer coisa?- atabalhoadamente, tentando acalmar a fúria do génio.- Qualquer coisa mesmo?
- Até que enfim, arre! Podes, sim.- disse o homem, menos arreliado. O fumo voltou lentamente à sua tonalidade azulada.
- Er … pois, deixe lá ver … pois, acho que sim … Desejo nunca mais ter que me preocupar com dinheiro.
- Quer isso dizer, que desejas ter muito dinheiro? Assim, muito rica?- perguntou o génio, erguendo uma sobrancelha.
- Pois, se nunca mais preciso de me preocupar com dinheiro, quer dizer que tenho tanto que não me importa onde o gasto …
- Que pedido original, não haja duvida … seja. Desejo concedido. Próximo …?
- Mas já está, como? Já sou rica?! Mas não era suposto qualquer coisa brilhar, encher-me os bolsos de moedas de ouro, ou qualquer coisa assim?
O homem fez um trejeito de puro tédio.
- Estes miúdos são mesmo estúpidos. Não, não é suposto. Isso é nos filmes da Disney, aqui não há cá nada disso, é à moda antiga e está a andar. Se não estás contente …
- Não, não, estou contente, sim! – apressou-se ela a dizer- Eu acredito em si.
- Pronto, está bem. O primeiro já está. Próximo desejo.
- Pois, sim … então … mas sou mesmo rica? Mesmo, mesmo?Fazes perguntas demais. És, porra, acabei de te dizer que sim, que já te tinha concedido o desejo. Passas ao próximo ou como é?
- Sim, sim, claro. Então … pois … desejo também nunca mais precisar de ir ao médico.
- Mau, mas isto agora é tudo assim?
- Assim como?
- Encriptado, e eu que te perceba, não? Queres o quê, saúde, é isso?
- Pois, era isso mesmo.
- Raio de miúdos sem juízo nenhum! Terás saúde, uma saúde de ferro indefinidamente, está bom assim?
- Está óptimo. Muito obrigado.
- Ok, ok, agora agradece, vejam só … Desejo concedido. Falta-te um.
Ela não respondeu. Por momentos, parecia lutar contra qualquer coisa dentro de si, até que, quando finalmente falou, a voz parecia ligeiramente embargada, mas mesmo assim, firme.
- Quero ser feliz.
AS

Retrato

Eu sei que tu sabes, aquilo que nós sabemos.
Eu sei que sabes. Porque eu também sei.
Sei que o inexplicável também acontece aos mortais, que se guiam durante anos por falsos deuses até que um dia vêem a luz.
Sei que aquilo que não se explica atravessa mais que as teias do tempo, e que se une aquilo que nos completa.
Tu sabes que eu sei ; aquilo que nós sabemos.
AS

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Chá da Pérsia - Parte II

- Eu? Nada. - respondeu, a medo.
- Então, para que me chamaste?- a voz do homem parecia agora francamente irritada.
- Eu não chamei ninguém. Ia a passar quando tropecei no bule e surgiu esta fumarada toda. Não tive culpa.- virava a cabeça de um lado para o outro, quase num acto de desespero, procurando outras pessoas que pudessem passar na rua, e a quem aquele estranho ser se pudesse estar a dirigir, alguém que não ela.
O homem suspirou desdenhosamente, como se fosse um grande enfado ter que dar explicações.
- Pegaste na chaleira. Invocaste-me. Quando me invocam, normalmente apareço, sabes? É uma das características de se morar numa chaleira encantada.
- O quê? Que história vem a ser essa? Eu não invoquei nada. Limitei-me a tirar essa coisa do caminho!
- Pois, sim, é o que dizem todos. Vamos lá a ver, quais são?
- Quais são o que?
- Os desejos.
- Mas quais desejos??- não havia memória duma conversa tão estranha.
O homem bufou de impaciência. Revirou os olhos antes de responder.
- Minha cara, esfregas o bule, vem o génio e pedes 3 desejos. Não te contaram a historia quando eras miúda?
- Mas isso são historias, não existem. São só contos para fazer dormir as crianças. Como é que isso é verdade? - guinchou ela.- Você só pode estar a brincar comigo!
- Se eu estou aqui, não é …
- Olhe, se isto é um assalto, leve-me o telemóvel, leve-me os trocos, até lhe entrego o meu cartão multibanco e lhe digo o código. Pode também levar-me o relógio. Mas tenha paciência, não insulte a minha inteligência, não me venha com historias, sim?- disse ela, metendo a mão no bolso e estendendo-a ao homem, com um pequeno telefone azul brilhante fechado nela.
O homem parecia estarrecido com semelhante discurso. Bufou repetidas vezes, praguejou entredentes, e depois de ter dito uns quantos impropérios acerca de já não haver respeito nenhum pelas tradições, cruzou os braços à frente do peito e virou a cabeça de lado, altivamente, em gesto de amuo, falando para ninguém em particular.
- Gostava de saber o que se há-de fazer com estas gentes. Vidas inteiras a queixarem-se de que nada lhes acontece, que é só desgraças e afins, e quando surge a oportunidade, acham que é tanga, que é um assalto! Um assalto! E ainda me dá o raio do telefone! Francamente, que isto já não é nada como no meu tempo! Onde é que isto já se viu?!
Esperava alguma reacção da parte dela, mas não vendo mais que um olhar de incredulidade e surpresa, bufou mais uma vez e continuou o discurso.
- Enfim, não vale a pena. Minha cara, nem todas as lendas são fantasia. Algumas existem mesmo. Eu estou aqui, tu consegues ver-me, viste como eu saí da chaleira. E estou aqui porque me chamaste … pronto, acidentalmente, invocaste-me, mas mesmo assim continuas a ter direito a que eu te realize 3 desejos que me peças. Tal como na historia de encantar. 3 desejos, qualquer coisa, pede-me e terás.
- Juro que é a ultima vez que fumo daquilo que dá para rir … – sussurrou ela, quase em jeito de desabafo.
- Quais fumo, quais quê, miúda! Estou mesmo aqui! Bolas, porque é que nunca ninguém acredita à primeira?
- Isto é para os apanhados?- perguntou ela, semicerrando os olhos, como que à espera de ver qualquer gesto no homem que o denunciasse.
O homem pestanejou.
AS

domingo, 18 de novembro de 2007

Chá da Pérsia - Parte I

Distraída, caminhava na rua, pensando em coisa nenhuma, quando os seus pés batem nalguma coisa metálica, fazendo-a rebolar pelo chão, causando um enorme estardalhaço.
Olhou para baixo, tentando identificar o objecto que pontapeara. Parecia um bule de chá, velho e cheio de buracos, cujo cobre carcomido e gasto há muito que havia perdido o seu brilho. Pegou-lhe, decidida a colocá-lo no contentor do lixo mais próximo, para que mais nenhum transeunte incauto voltasse a assustar os gatos das proximidades com o barulho da chaleira a ser projectada rua abaixo.
Assim que os seus dedos tocam na superfície imunda do velho bule, este começou a tremer e a vibrar, emitindo um ruído semelhante a uma sirene, quando uma luz azulada lhe ofuscava os olhos. No segundo seguinte, o bule deixou de ser ver, enquanto uma espessa nuvem de fumo enchia as proximidades, envolvendo-a e ao objecto cintilante num cortina opaca.
No meio do fumo, surge um vulto de uma figura humana, que se eleva nos ares, e olha em volta. Os seus olhos escuros e oblíquos revistam-na de alto a baixo, como que à procura de provas em como tinha sido mesmo ela que teria provocado a estranha cena. Ela, aparvalhada pela surpresa e pelo absurdo da situação, tenta não tossir com o fumo à sua volta, lacrimejando,observando a medo a personagem que surge na sua frente.
Parecia-lhe um homem, jovem e forte, de expressão impassível e rígida, de nariz afilado, e olhos penetrantes ; todavia, não podia ser um homem normal uma vez que a solidez do tronco parecia esbater-se lentamente, não possuindo nem pernas nem pés, que pareciam unidos ao troco pelo mesmo fumo que os rodeava e que dava a ideia de surgir directamente do bico do bule.
- Que desejas? – perguntou ele, numa voz estranhamente límpida.
Ela olhou para todos os lados, como que há procura de testemunhas daquela aparição bizarra.
A rua estava deserta, não se via vivalma.




AS

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Mr. Potter




Chorem.
Gritem.
Manifestem-se.

Finalmente em português.
Para todos os geeks esquizofrénicos que gostam deste pedaço de papel, à meia noite de hoje livrarias de todo o país abriram as portas para os acolher e à tão esperada versão portuguesa.
Eu estava lá.




AS

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A Preto e Branco

Duas décadas e 365 dias à espera de poder pronunciar :

My fall will be for you, my love will be in you, if you'll be the one to cut, i'll bleed forever.
Hora de dizer que chega finalmente o first of them true love.



AS

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Inverdade

Há coisas que não enganam ninguém. Há coisas que não dão para esconder.
Ou que não querem ser escondidas? Continuam, mesmo assim, a não enganarem quem esteja atento.
O olhar revelador que se fecha, as mãos que se contorcem no colo, a meias palavras caladas no meio do fluído do discurso ; tudo o que não passa despercebido mas que, mesmo assim, é feito, camuflando o que já se sabe mas não se quer que os outros saibam.

E saber o quê, afinal? O óbvio, pois claro. Aquilo que está na frente dos olhos, que se faz questão de mostrar, mas em que se insiste em manter a pose e a cobertura de açúcar da imagem plácida e doce de pessoas que não o são. Mentir com quantos dentes se tem, os de leite e os definitivos.

Para que se mente, afinal? Para não dar parte de fraco? Para ficar com alguma carta na manga, uma jogada que mais tarde poderá ser útil? Para não dizer aquilo que se sabe? Mas não deveria ser mentido como deve de ser, com firmeza e convicção, para dar credibilidade à coisa? Qual é o sentido de mostrar que se mente? Poder-se-iam fazer as coisas de maneira discreta, para fingir pelo menos que quem o diz parecesse convencido das palavras que pronuncia.

Nem isso. Para quê mentir se já se sabe de antemão que a inverdade salta à vista? Mente-se para esconder outra coisa, outro segredo, em que ninguém tem que meter o bedelho e fussar ; então, qual é a utilidade de mentir descaradamente? Estar à espera que sejam todos crédulos e estúpidos, que caiam e acreditem sem pestanejar?

Mente-se, então, para dar um ar polido, de quem não quer conflitos nem confusões, de que só se quer o bem alheio, e que criar atrito entre quem quer que seja é a última coisa que se deseja. Mente-se para se ficar bem visto perante todos, com uma imagem santificada de quem sofre pelo bem comum, e prefere ficar mal a ser responsável por um pé de vento. Mente-se para salvação da pele alheia? Sacrifica-se a verdade, as palavras certas na hora correcta, pela amizade eterna de alguém que não lhe dá valor?

Também não.

Mente-se em proveito próprio. Para ficar bem em frente aos outros, mas não para proteger ninguém. Apenas para dar a imagem correcta em frente de quem interessa, para poder continuar no papel de duende bonzinho e continuar a construir a armadilha que o que vem a seguir há-de pisar.
Mente-se, para no segundo a seguir não dizer mais verdades e poder continuar a encher a tina de veneno que há muito se armazena.

Mente-se porque sim. Porque é bom, não salvar as boas relações, mas salvar a própria pele, para ninguém mais ver que não existe diplomacia, nem diligência alguma, mas para esconder dos mais desatentos que o que afinal se salva é a imagem exterior do mentiroso, que fica a salvo para continuar a faltar à verdade.



AS

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Dia Verde




I walk a lonely road
The only one that I have ever known
Don't know where it goes
But it's home to me and I walk alone

I walk this empty street
On the Boulevard of Broken Dreams
Where the city sleeps
and I'm the only one and I walk alone

I walk alone
I walk alone

I walk alone
I walk a...

My shadow's the only one that walks beside me
My shallow heart's the only thing that's beating
Sometimes I wish someone out there will find me
'Til then I walk alone

Ah-ah, Ah-ah, Ah-ah, Aaah-ah,
Ah-ah, Ah-ah, Ah-ah

I'm walking down the line
That divides me somewhere in my mind
On the border line
Of the edge and where I walk alone

Read between the lines
What's fucked up and everything's alright
Check my vital signs
To know I'm still alive and I walk alone

I walk alone
I walk alone

I walk alone
I walk a...

My shadow's the only one that walks beside me
My shallow heart's the only thing that's beating
Sometimes I wish someone out there will find me
'Til then I walk alone

Ah-ah, Ah-ah, Ah-ah, Aaah-ah
Ah-ah, Ah-ah

I walk alone
I walk a...

I walk this empty street
On the Boulevard of Broken Dreams
Where the city sleeps
And I'm the only one and I walk a...

My shadow's the only one that walks beside me
My shallow heart's the only thing that's beating
Sometimes I wish someone out there will find me
'Til then I walk alone...




Hoje apetece-me ouvir esta música.
Não sei bem porquê, mas como também não sei explicar, fico-me pela partilha da melodia.
Daquelas músicas que nos fazem ver as bandas para além do passado musical dúbio e de um vocalista giro.


AS

domingo, 11 de novembro de 2007

E hoje é dia de ...




S. Martinho ficaria deveras surpreendido se fosse nos dias que correm que o seu milagre tivesse lugar.
Não só o pobre seria o próprio S. Martinho, porque só dar a capa não chegaria, teria que ficar nu no meio do povoado para conseguir dar uma ajuda significativa, como o pobre ainda lhe diria que só roupa não chega, que isto está mau para todos, e que assim não pode ser, pedindo-lhe também uns trocos para o café e se não lhe orientava um cigarrinho, e lume também, se fizer favor.
Já ninguém pede abrigo. Simplesmente dorme ao relento.
Também ninguém dá a capa, nem o que quer que seja. Está-se tudo borrifando.
Deste dia, só restam as castanhas e o vinho.




AS

O que diz o rádio

Uma ruela solitária, a única que alguma vez conheceu. Não sabe para onde vai, que destino tomar, mas parece-lhe familiar, e continua a caminhar sozinho
Uma rua deserta, a avenida dos sonhos despidos. A cidade adormece, os corvos acordam. O único que vive caminha sozinho.
Sozinho.
Sombras que o acompanham, as únicas a seu lado. Coração vazio, parasitado, demente, o único que bate, que pulsa, que vive.
Sozinho.
O que divide alguma coisa dentro de si, linha de fronteira entre a loucura e a sanidade, afinal não existe. E caminha sozinho.
Caminha entre a escuridão, o que é podre, sem uso nem brilho, e o que é são, e limpo, e puro, e bom.
Sinais vitais existem.
Continua vivo.
E caminha sozinho.




AS

sábado, 10 de novembro de 2007

Interrogacões Existenciais III

Alguém já se terá dado ao trabalho de verificar se as redes de telecomunicações móveis nacionais são conformes à Constituição?

Em que parte da Lei Fundamental está previsto que se pode chular desenfreadamente o consumidor?

Será o chupismo, ele próprio, inconstitucional?






AS

Alcoólicos e Equiparados

Fenómeno do dia : a esperteza saloia. Não basta ser-se esperto , há-que ser também saloio.
Porque ser-se esperto é pouco original, está muito visto. Quem se interessa pelo jogo de cintura, pelo savoir faire tão necessário todos os dias para sobreviver, quem quer saber de ser esperto? Ninguém. A esperteza já não encanta ninguém.

Agora, se acoplada à esperteza vier outro fenómeno, mesmo que tão batido e tão pouco original como o primeiro, as coisas já se passam de maneira diferente.
Porque um comportamento espertalhão não é nada de especial se atrás dele não vier a saloiada. O fazer as coisas porque sim, sem melhor explicação aparente ; o cochichar como uma beata de aldeia sobre quem passa ; a eterna mania que se é melhor mesmo sem mostrar obra feita, só porque se parou no tempo e ainda se usa o mesmo penteado 2002/2003, mostrando a perpetuidade da moda, a eternidade da superioridade ( inexistente ) , a estupidez periclitante de ter a pretensão de ser embirrante e empurrar pessoas na rua só porque elas estão no caminho.

Isto, caros amigos, não é esperteza, longe disso, que a esperteza, além de não servir para nada a não ser para enfeitar mais uma linha no dicionário, não existe.
Já a esperteza saloia, em que se junta o típico hábito do típico tuga de fazer as coisas à marosca, à última da hora e dar miraculosamente certo, à parvoíce estupidamente tacanha, aliada à vontade de continuar a querer parecer tão jovem como no 9º ano, aos risinhos e palhaçadinhas, tão incapaz como se era na altura.

Evolução. Fenómeno : deixar a esperteza dita tradicional de lado e juntar a um conceito tão gasto e obsoleto uma nova ideia, que com toda a certeza trará ao mundo grandes espertinhos e gigantescas saloíces.


AS

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

132º/1, e) Código Penal

Coisinha está de volta, mas desta vez decide deixar os Gorilas em paz, já não há cá visitas ao Zoo para ninguém.

Desta vez, Coisinha vai a passear na rua quando Alguém se oferece para lhe mudar o óleo ao cabelo.

Coisinha sente-se extremamente ofendida, pensava que era fashion andar toda badalhoca na rua, e não indo de modas, dá um tiro nesse Alguém, que tão prestavelmente a quis ajudar, não sem antes lhe dar dois coices e três dentadas, ficando o Alguém sem orelhas, e com os tintins em brasa.

Estes estragos no pobre do Alguém só foram relevantes quando o juiz condenou Coisinha a 3 anos de prisão, considerando que o "Alguém ia morrer de qualquer maneira com o tiro, por isso, vou fingir que não vejo o relatório da autopsia que diz que o homem ficou sem orelhas e francamente danificado nas áreas sensíveis".

O juiz esqueceu-se que Coisinha é inimputável.

Quid Juris?



AS

'Njoy!Teddy Picker!

<
SB

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Memorial Historial

Era uma vez uma personalidade jurídica perdida nos meandros da Judicatura.

Era uma vez a luz que provinha muito para além de um ordenamento pobre e sem vida.

Era uma vez o que nasceu, sem forma, sem tamanho, sem descrição, sem precedentes, sem nada que se lhe possa comparar.

Era uma vez o que vem daí e se prolonga indefinidamente no tempo.

Era uma vez.



AS

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Reunidos Geramos Atrito

Há quem esteja furioso com o estado de coisas, provavelmente com muita razão, mas qué isto e tal, onde é que estamos, mas é assim as coisas?
Vai-se para um reunião tentar perceber o que se pode fazer por uma faculdade que tantas vezes se esquece dos alunos, que medidas podem ser tomadas para resolver uma “crise académica”, o que há a fazer perante as dificuldades que surgem em processos tão complexos como os de adaptação a novos métodos e visões.

Vai-se para lá a pensar que é desta que se muda o mundo académico, que juntos solucionaremos todos os problemas, que 500 e tal cabecinhas têm muitos mais ideias luminosas do que 20, que com a força que se reúne à volta destes acontecimentos somos imbatíveis.

Só não será bem assim.

Aproveita-se a ocasião para exibir um pouco as qualidades políticas dos oradores, perder tempo em divagações das quais ninguém se vai lembrar assim que transpuser a porta, enquanto se trocam galhardetes e se lava todo um estendal político, de rivalidades pouco ou nada resolvidas, em frente a toda a gente.
Quem é apanhado no fogo cruzado acaba por não perceber bem como é que um plenário que era suposto tentar solucionar as dificuldades que têm surgido vai de repente parar a outra temática que não seja o diz que disse, e o fiz e tu não fizeste.

Uma coisa boa é de salientar no meio de tanta confusão : ninguém fica indiferente ao que, de facto, se passa dentro de um edifício que afinal acaba por ser a nossa vida. Mesmo com todos os atritos e querelas criadas aqui e ali, ninguém fica indiferente, nem deixa passar em branco o facto de existirem actos que são prejudiciais, e que requerem medidas para os contestar.
Enquanto se enche um riacho de espuma branca do sabão que é usado para lavar toda a roupa possível e imaginária, as pessoas movimentam-se à volta do que é crucial.

É isto que é de louvar.




AS

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Mother Earth




Primórdios de existência musical.
Do melhor.




AS

sábado, 3 de novembro de 2007

A Song To Remember

The days were brighter
Gardens more blooming
The nights had more hope
In their silence
The wild was calling
Wishes were whispering
The time was there
But without a meaning


Away, away in time
Every dream's a journey away
Away to a home away from care
Everywhere's just a journey away


The days departed
Gardens deserted
This frail world
My only rest?
The wild calls no more
Wishes so hollow
The Barefoot Boy
weeping in an empty night


Cherish the moment
Tower the skies
Don't let the dreamer
fade to grey like grass
No falling for life
A gain for every loss
Time gathered me
But kept me flying


"For this gift of dream I must pay the price with the loss of life's pleasures"




Tuomas Holopainen, in Nightwish "Away"






AS

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Mais do Mesmo

Quem pensa que sabe muito, normalmente anda a pé. Porque se esquece de contar com a esperteza dos outros, que chega para dar três voltas ao quarteirão do bairro caroucho mais próximo.

Não queria ser forçada a usar sempre a mesma metáfora, mas não tenho outro remédio ; quem conta com o ovo no dito da galinha, normalmente fica com as mãos sujas, porque o mais certo é o ovo não constar.

Logo, não se cansem que não vale a pena.
O melhor mesmo é começarem a poupar para um carrinho, para não terem que andar tantas vezes a pé.

Porque com o mal dos outros, estão os outros bem.
AS

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Not Falling

O que é o perdão? O que é perdoar? Fechar os olhos, fingir que não sucedeu? Não olhar para trás, seguir em frente, não mais lembrar o que foi feito? Dormir descansadamente noites a fio, sabendo que existe algo que ainda pulsa, que ainda vive, que ainda mói? Dormir descansadamente sobre a questão ; é isso perdoar?
É perdoar dar a outra face? Esperar pacientemente que venha outro morteiro destruidor que arrase tudo o que foi feito?
O que é o perdão, o que é perdoar, afinal?
É conseguir-se fechar os olhos, não ver mais? Escolher deixar uma ponta solta, escolher confortavelmente não a ver, não a cortar, ou não lhe dar um nó, é perdoar? É deixar ir saber que continua uma cratera fumegante no chão, mas escolher não passar por ela, passar antes ao largo? É perdoar?

E esquecer? É intrínseco com o perdão? Perdoa-se, deixa-se ir. Mas esquece-se? Desmemoriza-se, de facto? É possível deixar de fixar o local onde caiu uma lágrima, onde se abriu uma chaga? Fica uma memória vazia porque não se gostou do que se foi desenvolvendo, mas porque se tem que se esquecer? É suficiente para apagar da memória só porque se perdoou?

Porque é que, se se perdoou, não se esquece? Porque é que a ideia fica sempre presente se, afinal, tudo foi apaziguado por palavras doces e lágrimas reconfortantes? Não era suposto, já que se escolheu perdoar, esquecer-se?

Então porque é que tudo surge mais claro que nunca? Porque é que o que alegadamente está perdoado vem sempre à tona quando a insónia ataca em forca? Porque é que essas imagens são mais nítidas em frente ao objecto do “perdão”? Porque é que as palavras ecoam nos ouvidos em todos os momentos, lembrando o que foi feito? Porque é que nada foi enterrado, afinal? Porque é que tudo ainda vive?

Então, porque não é possível perdoar e esquecer?
Porque pulsa o ódio, porque revolve a insónia, porque ecoam palavras, porque corre o sangue mais veloz perante a memória.
Porque rompe, rasga, dilacera, fere, corrói, aperta, persegue ; não dorme, não descansa, não morre.

Porque não foi perdoado. Ou esquecido. Porque não se dissociam os dois conceitos. Porque a insónia é prima afastada deles. Porque o ódio é pai de todos. Que não pára, não perdoa, não esquece.

O que é o perdão ; o que é perdoar?
Resposta : não odiar.
AS

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

A Carta IV

Cara Amiga :

Antes de mais, deixa-me só congratular-me pelo facto de haver almas que realmente se esforçam para tentar perceber a retórica que por aqui é escrita. Deixa-me também congratular-me pelo esforço sobre-humano que fizeram essas almas, mas que infelizmente morreram na praia, porque não chegaram perto sequer, para tentar decifrar o que reina nestas missivas. É de louvar que se preocupem tanto, que tentem realmente, mas não vale a pena ; estas actividades são coisa de gente débil e claramente mentecapta, não vale a pena tentar perceber porque simplesmente isto não tem qualquer salvação possível. Se por acharem que conhecem o destinatário e o remetente estão no bom caminho para deslindar os mistérios das mentes estúpidas que perdem tempo a escrever estas linhas, então é que lhes aconselho melhor actividade a que se possam dedicar.

Sei que tinha prometido, desta vez definitivamente, deixar-te com os teu problemas para os resolveres sozinha, mas isto de facto merece que se acabe o interregno. Isto é de tal forma meritório que vou fingir que me esqueci as asneiradas da última vez, a última argolada que inventaste. Isto vale a pena, vale mesmo, e também, embora me custe, sei reconhecer quando até fazes alguma coisa menos mal.
Enfim, rabisco umas linhas rápidas.

Não para te desancar.
Não para te encher a cabeça de insultos.
Não para te envergonhar.
É para te felicitar.
Porque finalmente, uma coisa como deve de ser saiu das tuas mãos. Algo que esperava para ser feito fica realizado, e tu dormes muito melhor. Claro que podia sempre pegar pelo aspecto de que já podias dormir bem há muito, muito tempo se não fosses sempre a mesma, mas isso já não são contas para hoje.
Hoje é só para te felicitar. Porque estou orgulhosa de ti. Porque sei o esforço que foi preciso, porque sei o que custou. Mas mesmo assim, mesmo à beira de desistir e dar o caso como perdido, foste mais longe que alguma vez pensei que conseguisses ir. Foste e voltaste, mais forte, e com sono, porque deixaste a insónia para trás, pelo menos parte dela, que a outra … bom, outras contas, outro rosário.

Só mesmo para deixar claro que te volto a escrever quando achar que é preciso, que não há mais interregno. Que até mereces umas abébias de vez em quando.
Mas só de vez em quando.

Cumprimentos,
Aquela que te atura.
AS

domingo, 28 de outubro de 2007

Escondido algures...

"É pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava do homem, somente o trabalho poderá garantir-lhe uma independência concreta "

Simone de Beauvoir

SB

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Quem guarda a Horta







É suposto esperar de braços abertos que os outros voltem? É suposto saber o que se deve fazer, mesmo que ninguém volte? É suposto não se sentir cansado de estar constantemente em ânsias por quem vem a caminho, e que nunca mais chega, nunca mais acorda?



E se um dia me cansar de esperar? E se um dia virar costas e me for embora também? Se me cansar de ter os braços abertos, e os fechar? O que sucede? O que acontece se também eu não quiser mais ficar? Se me fartar de ser boazinha e partir também?



Assim como um espantalho, que cansado de estar a pasmar no meio dos prédios rústicos, fecha os braços, e vai à vida dele, deixando os pássaros comerem a horta toda. Porque podem de facto comê-la. Que interessa? Não é a horta que alimenta o espantalho. Não é pelo facto de os pássaros a comerem que o seguram.



Era o manter os braços abertos.



Agora já os fechou. Foi-se embora. Foi espalhar a palha noutras sebes, bem vivas, por sinal.



Que se lixe a horta.






AS

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

5

Gosto de ti apaixonadamente
De ti que és a vitória, a salvação,
De ti que me trouxeste pela mão
Até ao brilho desta chama quente.
A tua linda voz de água corrente
Ensinou-me a cantar … e essa canção
Foi ritmo nos meus versos de paixão,
Foi graça no meu peito de descrente.
Bordão a amparar minha cegueira,
Da noite negra o magico farol,
Cravos rubros a arder numa fogueira!
E eu, que era neste mundo uma vencida,
Ergo a cabeça ao alto, encaro o Sol!
- Águia real, apontas-me a subida!

Florbela Espanca

Por ontem, por hoje.

Por todos os dias, cada vez maior.

AS

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Marcha dos Débeis

138º, Código Civil - porque toda a gente vê um inimputável à esquina por estes dias, e é inevitavelmente impelido para ajudar os coitadinhos.
Porque os coitadinhos não se sabem governar sozinhos - e se soubessem não seriam, lá está, inimputáveis. E precisam de ajuda para atravessar a rua, e para se vestirem, e para apertarem os sapatos. E que mais? Que mais será preciso fazer para ajudar os pobrezinhos?
Que tal respeitarem a sentença de interdição? Já que se mostram incapazes de governar suas pessoas e bens, deixem-nos em paz e afastem-se, não vão eles ter alguma trabeculose contagiosa.
Deixem-nos em paz, é para isso que serve a interdição.
Deixem-nos em paz, e vão à procura de outras pessoa para enlouquecerem.
Vão à procura de outros para interditarem.
AS

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Columbano Bordalo Pinheiro

Não quero ser um bode expiatório,
Não quero estar farta,
Não quero ser diferente,
Não quero adaptar-me.
Não quero a condescendência como companheira,
Não quero ter a dose de paciência que tenho,
Não quero baixar os olhos,
Não quero calar-me,
Não quero que me entendam.
Não quero mil homens,
Não quero que me sufoquem,
Não quero estar sempre em estado de alerta
Não quero não ser dona de mim.
Não quero o ódio (muito menos o amor),
Não quero a loucura…luto contra a esquizofrenia,
Não quero o arrependimento tardio, uma cama e a Alzheimer a consumir-me.
Não quero a morte,
Não quero esta não vida,
Não quero sobreviver,


Quero uma borracha!

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Though Shit

Crianças inocentes acordam um dia e percebem que o que viram até ali não mais do que a cobertura de açúcar que esconde o verdadeiro e real mundo existente.
Petizes que até aquele momento foram felizes, são agora miseráveis por saberem finalmente que nada do que se vê na realidade existe.

Afinal, as pessoas não são todas fofinhas e amorosas , não fazem as coisas porque gostam umas das outras; não são capazes de um gesto de altruísmo ou amizade porque simplesmente, e ao fim e ao cabo, não é essa a sua natureza, e não lhes está nos genes serem boas umas para as outras.

Afinal, tudo o que se puder fazer para sacanear, sabotar e trapacear os outros é o mínimo que se pode fazer para sobreviver ; tudo o que se faça não tem um único laivo de bondade, tem como traço característico a velhaquice e a maldade, intrínsecos no ser humano ; não há vontade de fazer nada de bom, o que há é a vontade insaciável de pisar, destruir e arrancar à força o que já está feito. É insustentável pensar-se, sequer, em deixar fazer o que quer que seja, porque já foi feito pelos outros, e não por estes, que se divertem a arruinar tudo porque não suportam que alguém seja melhor.

Descobrem, as puras criancinhas, que a movimentação da terra se faz não pelo que deveria ser bom, mas por aquilo de bom que os outros poderão fazer e que é preciso destruir à força toda, sob pena de estar demasiado bem feito, demasiado bom, que é insustentável para quem é fraco e não consegue fazer melhor.

Já que o problema é serem todos uma cambada de incompetentes, acéfalos e idiotas, o que se faz para superar os outros?
Fazer melhor?
Não!, quais quê!
Arruinar o que está feito, para se poder sentir gente capaz. Ser estúpido e ininputável é requisito para ser pessoa, logo o que se deve fazer não é viver como se quer, mas sim, empregar todos os esforços para se mostrar que se é capaz de ser um atraso psíquico e mandar às urtigas a consideração por terceiros que habitem o mundo.
Há que justificar com todos os fundamentos possíveis as razões da interdição, para que ninguém pense que a Judicatura anda a brincar com as tropas.

Crianças que acordam, um dia de manhã, e descobrem a terrível verdade sobre o mundo, a quem se destroem todas as ilusões fofinhas sobre a conjuntura global.

Temos pena.
AS

Adore

Oh Laura- Release Me
A minha música preferida neste momento.
Dedicada a um scandinavian geek...amigo e guru musical. Que me fez ver além da MTV1.

SB

sábado, 20 de outubro de 2007

A Cor da Coisa

O que dá cor à coisa é o facto de nunca ser igual, em todos os dias que passem. O que lhe confere a cor é saber que há-de haver sempre alguma coisa que estrague o que existe. Mas que a seguir seja reparada, de uma maneira ou de outra. O que dá piada à coisa é saber que, apesar de todas as intempéries que possam surgir, de todas as tempestades e tufões que varrem e destroem tudo a sua passagem, é que a seguir vem um sol brilhante, quente e acolhedor que, mesmo que não limpe os destroços, dá-lhes uma luz nova e, de repente, não é tão mau assim.
O que dá cor à coisa não é o conflito, nem os gritos, nem as lágrimas, nem os insultos. O que dá cor à coisa é saber que pode tudo voltar ao que antes era como se, afinal, não tivesse havido catástrofe nenhuma.
É acreditar que pode de facto tudo ficar bem quando acaba bem, como nas histórias de encantar.
Mesmo que não fique.
O que dá cor à coisa é o acreditar idiota, a esperança vazia, a crença de um mundo melhor quando nada mais há para ocupar o espaço que ficou vazio. É acreditar que amanhã vem mais qualquer coisa e que tudo fica melhor.
Mesmo que não fique. O que é bom é acreditar. Mesmo em vão.
Porque o vazio ocupa muito espaço. E quando se enche o espaço vazio com alguma coisa, mesmo que não seja coisa nenhuma, é o momento de brincar as casinhas e fingir que se pôs algo no lugar.
O que dá cor á coisa é fingir.
AS

Love



Elephant Gun- Beirut


If I was young, I'd flee this town
I'd bury my dreams underground
As did I, we drink to die, we drink tonight

Far from home, elephant gun
Let's take them down one by one
We'll lay it down, it's not been found, it's not around

Let the seasons begin - it rolls right on
Let the seasons begin - take the big king down

Let the seasons begin - it rolls right on
Let the seasons begin - take the big king down

And it rips through the silence of our camp at night
And it rips through the night

And it rips through the silence of our camp at night
And it rips through the silence, all that is left is all that i hide




Ao fim de uma época....ao início de outra.

SB