terça-feira, 4 de dezembro de 2007

O Silêncio da Norma

Sentados, direitos, pernas em ângulo recto ; calados, livros abertos, folhas brancas por preencher, canetas frenéticas que se agitam sobre o papel. Cabeças baixas, olhos que varrem frases, sem nexo, sem pontuação ; apenas vêem. Agitam-se os braços, as mentes, mordem-se os lápis, mordem-se os nervos. Mordem-se as angustias de um tempo que podia ter sido melhor aproveitado, apontamentos que não se leram, páginas que se passaram à frente, leitura que não interessa. Fica tudo presente no momento em que a mão quer escrever o que o cérebro não se lembra.

Uma cadeira de intervalo, centenas de figuras, uma sala cheia de pensamentos fervilhantes, uns esquecidos, outros por concretizar. À volta, mais gente se prende com frases que não batem certo, com memorandos que não dizem tudo, filas e filas de linhas de letras negras dançantes, que bailam diante dos olhos, sem nada para contar. Nada disso agora interessa ; é tempo de mostrar o que se fez nos últimos dias, em que o sono atraiçoa quem confia, e a falta de tempo cobre com o seu manto a pouca vontade de levar por diante um objectivo.

Livro aberto, páginas dobradas, cantos escrevinhados com memórias de última hora. Um derradeiro olhar para as histórias que conta, sem esperança de ler alguma coisa que ajude a atenuar o que nasce do que devia estar sabido. Mas não se sabe. Está em branco, o livro. Nada diz ; está tudo omisso, falta dizer tudo, falta escrever tudo, falta ler aquela página que se saltou porque o velho que a escreveu, afinal, não sabia o que estava a escrever. Ou talvez soubesse, e daí nasce a doutrina ; das mãos de um velho que julgava saber tudo sobre a norma, que a conhecia e fazia dela a sua casa.

As figuras agitam-se, terminam frases, revêm conceitos, aditam argumentos ao texto brilhantemente coerente. Arrastam os pés no chão, revolvem-se nas cadeiras, espreitam quem está ao lado, num gesto tão característico de puro desespero.

Faltam 5 minutos.

Folhas dobradas, identificadas, profundamente vincadas pelos sulcos da tinta que as mancha. Tempo para reler o que foi escrito. Nada a acrescentar ; não é possível alisar os vincos no papel maculado pelo colorido assassino de uma caneta que não sabe o que escreve. Está feito.

O livro continua aberto em cima da mesa, abandonado, prostrado. As histórias contadas por ele não mais serão lembradas ; não há nada que as distinga. Relata contos de carrascos, sagas de crimes, ondas de leis que salvam agentes de penas gravosas. Nada, não diz nada. Fica tudo apagado no burburinho das figuras que se levantam e vão embora, levando os seus pertences e conversas de bolso sobre penalidades temporais. Nada, não dizem nada. Esquecem-se do que foi dito no segundo seguinte.

Porque a norma levou a melhor, até sobre o velho que sabia tudo sobre ela, que conjecturou a sua vida à volta dela, que teceu enormes considerandos sobra a sua essência.

Porque a norma está, hoje, em silêncio.




AS

2 comentários:

Лев Давидович disse...

A norma está sempre em silêncio.
Fala quando a lêem.

Ou seja,

Para que fale, têm que a ler.

Nunca é tempo perdido.

Diligentia disse...

Para tal é preciso que a norma nao tenha em si texto sem nexo, e tambem que quem o le o saiba, de facto, fazer.
AS