segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Chá da Pérsia - Parte II

- Eu? Nada. - respondeu, a medo.
- Então, para que me chamaste?- a voz do homem parecia agora francamente irritada.
- Eu não chamei ninguém. Ia a passar quando tropecei no bule e surgiu esta fumarada toda. Não tive culpa.- virava a cabeça de um lado para o outro, quase num acto de desespero, procurando outras pessoas que pudessem passar na rua, e a quem aquele estranho ser se pudesse estar a dirigir, alguém que não ela.
O homem suspirou desdenhosamente, como se fosse um grande enfado ter que dar explicações.
- Pegaste na chaleira. Invocaste-me. Quando me invocam, normalmente apareço, sabes? É uma das características de se morar numa chaleira encantada.
- O quê? Que história vem a ser essa? Eu não invoquei nada. Limitei-me a tirar essa coisa do caminho!
- Pois, sim, é o que dizem todos. Vamos lá a ver, quais são?
- Quais são o que?
- Os desejos.
- Mas quais desejos??- não havia memória duma conversa tão estranha.
O homem bufou de impaciência. Revirou os olhos antes de responder.
- Minha cara, esfregas o bule, vem o génio e pedes 3 desejos. Não te contaram a historia quando eras miúda?
- Mas isso são historias, não existem. São só contos para fazer dormir as crianças. Como é que isso é verdade? - guinchou ela.- Você só pode estar a brincar comigo!
- Se eu estou aqui, não é …
- Olhe, se isto é um assalto, leve-me o telemóvel, leve-me os trocos, até lhe entrego o meu cartão multibanco e lhe digo o código. Pode também levar-me o relógio. Mas tenha paciência, não insulte a minha inteligência, não me venha com historias, sim?- disse ela, metendo a mão no bolso e estendendo-a ao homem, com um pequeno telefone azul brilhante fechado nela.
O homem parecia estarrecido com semelhante discurso. Bufou repetidas vezes, praguejou entredentes, e depois de ter dito uns quantos impropérios acerca de já não haver respeito nenhum pelas tradições, cruzou os braços à frente do peito e virou a cabeça de lado, altivamente, em gesto de amuo, falando para ninguém em particular.
- Gostava de saber o que se há-de fazer com estas gentes. Vidas inteiras a queixarem-se de que nada lhes acontece, que é só desgraças e afins, e quando surge a oportunidade, acham que é tanga, que é um assalto! Um assalto! E ainda me dá o raio do telefone! Francamente, que isto já não é nada como no meu tempo! Onde é que isto já se viu?!
Esperava alguma reacção da parte dela, mas não vendo mais que um olhar de incredulidade e surpresa, bufou mais uma vez e continuou o discurso.
- Enfim, não vale a pena. Minha cara, nem todas as lendas são fantasia. Algumas existem mesmo. Eu estou aqui, tu consegues ver-me, viste como eu saí da chaleira. E estou aqui porque me chamaste … pronto, acidentalmente, invocaste-me, mas mesmo assim continuas a ter direito a que eu te realize 3 desejos que me peças. Tal como na historia de encantar. 3 desejos, qualquer coisa, pede-me e terás.
- Juro que é a ultima vez que fumo daquilo que dá para rir … – sussurrou ela, quase em jeito de desabafo.
- Quais fumo, quais quê, miúda! Estou mesmo aqui! Bolas, porque é que nunca ninguém acredita à primeira?
- Isto é para os apanhados?- perguntou ela, semicerrando os olhos, como que à espera de ver qualquer gesto no homem que o denunciasse.
O homem pestanejou.
AS

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