quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Chá da Pérsia - Parte IV

O homem perscrutou-a com os seus olhos misteriosos.
- E isso significa exactamente o quê?
- Bom, ser feliz é … bom, não sei explicar, mas acho que … enfim, sabe como é … assim, tipo … feliz, mesmo feliz… está a perceber? Er …
- Se me fosse fiar no que dizes, até agora não tinha percebido nada. -disse o homem num trejeito de desdém.- Mas olha lá, os desejos que me pediste já não fazem de ti uma pessoa feliz? Tens tudo, dinheiro e saúde para o gozares, o que é que queres mais?
- Bem, são boas pretensões, e acho que fiz bem em pensar nelas primeira, - disse, um pouco a medo, receando que o génio do mau feitio lhe retirasse as benesses que dizia ter-lhe concedido. – Mas há outras coisas, outros aspectos que faltam. Gostava de completá-los.
- Estou a ver.- disse o homem, bufando mais uma vez – E isso consiste em quê?
- Er … estava a pensar em realização pessoal, mas …
- Já percebi o que queres dizer, porra!
- Já? Então?
- Sim, já. Já sei o que pretendes.
- Consegue ler pensamentos?
- Obviamente, se assim não fosse, da maneira que formulaste os dois primeiros desejos terias as tuas pretensões de forma completamente idiota.
- E percebe o que quero dizer com ser feliz?
- Sim, percebo, já te disse que sim. Mas tenho que avisar-te de antemão que este desejo tem um preço.
- Um preço? Como assim, um preço?
- Concedo-te o desejo, mas terás de dar algo em troca.
- E porque não funcionou assim para os outros desejos que pedi?- perguntou ela desconfiada.
- Porque este é diferente, não funciona como os desejos normais, por assim dizer.
- Normais? Mas este que agora pedi é especial?
- É, de certo modo, é. Tendo em conta que eu sei o que de facto pretendes com ser feliz, terá um preço que terás que pagar.
- E se eu não quiser pagar esse preço?
- Então escolhes outra coisa, que isto aqui não é da Joana. Quem dita as regras aqui sou eu!
- Desculpe, só estava a tentar perceber …
- Não há nada para perceber, ou queres assim, ou não queres, escolhes outra coisa e vais a tua vida!
- Desculpe, mas é que …
- Tanta pergunta faz o raio da miúda! Eu explico tudo, só para não ter que te ouvir perguntar mais nada! Este não é um desejo qualquer, se reparares nada tem a ver com os dois primeiros que formulaste.
- Mas o senhor disse que com eles que já poderia ser feliz, não acaba por ser uma mesma coisa o …
- Não me interrompas!
- Queira desculpar.
- Pfff.. bom, onde ia eu? Ahh, sim! Este desejo que agora fizeste é diferente dos outros, porque está muito além dos bens materiais que de certa forma pediste anteriormente.
- Mas a saúde não é um bem material.
- Se me voltas a interromper …
- Desculpe, desculpe! Não se torna a repetir.
- Pfff… bom … o pedido de ser feliz que me fizeste não tem nada que ver com o que anteriormente foi feito, porque nada tem que ver com materialidade. O dinheiro que me pediste, que agora é teu, e não se esgota, é uma futilidade que a esmagadora maioria das pessoas que me encontra pede imediatamente. Assim como outro pedido que me é feito frequentemente é a vida eterna, que tu acabas por me pedir também, só que camuflado de outra maneira. Se tens saúde, vais viver longamente, acaba por ser uma espécie de eternidade. Isto para a maioria das pessoas, é a noção de felicidade. Têm dinheiro e saúde, são felizes. Mas mesmo assim, isso não chega para ti, queres ir mais longe. Crês, mesmo tendo pedido as futilidades que toda a gente pede nestas circunstâncias, que a felicidade vai muito além disso. Porém, o facto de ir mais além tem um preço.
- Mas porquê? Isso não é lá muito justo, pois não?
- O mundo não é justo.
- Então, premeia-se a futilidade, como disse, e faz-me pagar preços de algo que é realmente importante?
- Não queres assim, podes ir andando.
- Não é isso! Só queria mesmo perceber, sabe? Não ando todos os dias a encontrar gente que sai de chaleiras na rua! – parecia que o mau feitio era contagioso.
AS

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