quarta-feira, 16 de junho de 2010

Teoria I

O queixume é o desporto de qualquer humano que se preze. Não há ninguém que não goste de se queixar, aqui e ali, das coisas más que acontecem, daquilo que os outros fazem, da conjuntura que é terrível e pouco propícia a acontecimentos benéficos. O que já não se ouve tanto é queixarem-se da própria falta de vontade, escolhas erradas, falta de tacto e tantas outras coisas que levam a que as pessoas se espalhem ao comprido por iniciativa delas.

E, aliado ao queixume, há a grande vantagem que vem da posse de cérebro, que é a possibilidade de formular teorias acerca das causas que levam às desgraças. Teoria da desgraça queixosa. Ou teoria da queixice desafortunada. Ou uma coisa assim parecida.

Por exemplo, uma pessoa solteira, mais tarde ou mais cedo, há-se sempre queixar-se que não há cônjuge porque os homens/mulheres de jeito ou têm par ou são gay. E isto sem qualquer sombra de crítica ou julgamento velado, ou o que quer que seja de maldizer, acerca das pessoas solteiras, que terão o estado civil que muito bem entenderem, ou discriminação pela orientação sexual de quem quer que seja; discute-se uma teoria, e não os meandros verbais que são usados para a exprimir, que tantas vezes levam a mal entendidos, sim porque pessoas as há que gostam de ler o que é escrito de maneira a só encontrarem algum laivo de critica manhosa ou difamação, sem juntarem os neurónios para sentirem o cerne do texto. Só para depois não se vir cá dizer que se disse mal. Que não disse, faz parte da explicação da teoria. Continuemos.

A conclusão de que não há gente disponível para a feitura do amor é que essas gentes que deviam estar a aquecer os pés das gentes queixosas é logo e imediatamente a de que já está tudo ocupado ou porque, afinal, as gentes têm outros gostos.

Assim será. À primeira vista, pelo menos.

Obviamente que está tudo ocupado! Algumas pessoas ainda têm aquele defeito, não sei que lhes dá, mas que gostam de companhia, pronto, gostam de ter pessoas a quem dar beijinhos e abraços e fazer poucas vergonhas, isto assim não dá com nada, pá, e tendem a ficar com elas por tempo indeterminado, como os contratos de trabalho, raio de mania.
E outras pessoas gostam de outras coisas, o que é que se pode fazer, isto agora é tudo uma cambada, toda a gente faz o que quer e o que lhe apetece, uma rebaldaria.

E há também aqueles que estão disponíveis e não são gay, mas que têm demasiados defeitos, ora são gordos, magrinhos, bexigosos, sebosos, com óculos, com dentes tortos, com pernas escanzeladas, com mazelas cerebrais, um defeito qualquer terão, ou não estariam sozinhas.
Pois sim, grande moral para falar.

É que dá tanto trabalho andar à procura, bolas...
O que dava jeito é que um príncipe encantado, montado num cavalo branco, surgisse à porta de casa, disponível como uma cabine telefónica vaga, disposto a tudo o mais alguma coisa pelo amor do queixoso.
O pior é que esses príncipes que aparecem de livre e espontânea vontade normalmente são uns gandins do pior, o cavalo é mais um burro ou uma mula velha, e as disposições, de espírito ou de estado civil, não são assim tão lineares.
Andar na rua, apontar o dedo a um senhor de feições engraçadas e ele milagre!, até está na mesma onda, era bom, era de sonho, mas sem ter trabalho, sem fussar, encontra-se?

A ser assim, a teoria até é verdadeira. Porque aliado ao queixume, a inércia que é a madre de todos os vícios, também fomenta teorias mirabolantes.

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