sábado, 19 de junho de 2010

Era Uma Vez José Saramago

O choque continua cá, a alma continua a chorar.


Desapareceu o maior escritor dos últimos tempos, o maior pensador literário que a literatura alguma vez teve, o homem que se exprimia tão complexamente que o texto se tornava estranhamente fácil e de uma beleza original.


Não vale a pena falar no legado que deixa, na imensa obra futura, nos livros que gerações adiante lerão, estudarão e aprenderão a amar as páginas de tamanha genialidade como a dele.

Não vale a pena falar na figura que os governantes de outrora não souberam respeitar, que as mentes pequenas e débeis não souberam compreender; isso, outros o farão.


Este foi o escritor que mais tocou a alma, que mais soube mostrar, que deu um impulso à leitura, que abriu tantas portas de compreensão sobre tantos assuntos, sobre tantos aspectos da vida que mereciam uma visão mais atenta.

Este foi o escritor que mostrou que as palavras se podem organizar de uma maneira que mostra ainda mais a beleza da língua, que a levam mais longe, que fala à consciência de cada um que lê.

Este foi o escritor que sabia sempre ordenar as palavras mais simples de forma a tornar o discurso tocante, tocante na alma.


Uma pessoa que escreveu desta maneira não mais será esquecida, uma pessoa que deixou uma obra como esta será recordado eternamente enquanto a língua portuguesa existir, como tantos outros que o precederam.


José Saramago, que um dia assinou dois livros a uma miúda na Feira do Livro, um ano antes de receber o prémio Nobel, nunca imaginou que, anos depois, essa miúda visse nele um herói literário, uma mente muito à frente no seu tempo, um homem inteligente como nenhum outro; nunca imaginou, certamente, que tantos dos seus livros causassem um abalo tão profundo no pensamento, nem nunca imaginou quantas vezes se reviu nas histórias que soube contar, nos pensamentos que foram imprimidos com tanta sabedoria.


Perdi o meu herói.

Perdi a minha alma literária.

Que não será esquecido, nem verdadeiramente perdido, porque viverá para sempre através daqueles que dele se recordam, daqueles que mantêm viva a memória. Mas que hoje fiquei mais pobre, ficámos todos muito mais pobres, disso não haja dúvida.


Esta é das raríssimas ocasiões que lamento profundamente não ter crenças religiosas por ser, talvez, a única forma de, um dia mais tarde, o voltar a ver.



1922-2010

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