domingo, 14 de outubro de 2007

Pai, Pai, porque me abandonaste?

Prostrada, de joelhos na terra fria, olha para a frente no vazio. Nada ao seu redor. Nem sinal de coisa alguma. Silêncio. Nada.

Olha para o céu, como uma prece. Nada vem, não obtém resposta. Resposta que, de alguma forma, não era esperada. Mas, mesmo assim, não deixa de tentar olhar ; pode ser que se engane e caia alguma coisa que venha em seu auxílio. Não se enganara. O céu plúmbeo devolve-lhe o olhar, inexpressivo, altivo e distante como em todos os dias da sua existência.

Olha para trás, para o tempo em que olhar para as alturas era sempre sinal de esperança. Em que o conforto quente, mesmo que frágil, estava sempre presente e perfeitamente audível, palpável, bom. E, mesmo ilusório, como era doce a segurança transmitida, como era bom saber que não dependia só de si, como era bom ser obediente, como não tomava muito do seu esforço e do seu tempo fazer o que lhe diziam, calar o que não deveria dizer, simplesmente baixar a cabeça e obedecer. Como é duro não ter quem guie, não ter onde se agarrar, não mais sentir o calor da mentira, tão conveniente, tão confortável! Como é árduo o esforço de caminhar sozinha, como dói ser perfurada, dia após dia, por pontas de facas ferrugentas que deixam na carne cicatrizes negras e purulentas … Como é duro saber que se está sozinho, saber que nada desce das alturas para estender misericordiosamente a mão, que as vozes dos anjos não se fazem ouvir quando o perigo é iminente. Como é duro não mais acreditar. Como é doloroso o vazio que isso deixa.

Olha à sua volta. Negro, vazio, cheiro a sangue e a lágrimas. Cheiro do pior dos pecados, aquele que dilacera a alma, que rasga o ventre, que corrói as entranhas, que fede da carne apodrecida. Nada, nada mais.

O céu, impassível, já nem devolve o olhar. Fechou-se. Acabou.
Está sozinha, rosto molhado pelas lagrimas que já não vêm. Em seu redor, o que vê não é diferente do que está por cima.
Nenhum dos mundos a acolhe, nenhum deles lhe responde ; são iguais. Um, agride-a, fere-a, mata-a. O outro, assiste sem levantar objecções.

Um passo para o precipício à sua frente.
O silêncio ouve-se acima de todos os gritos de medo dentro de si.

Pai, Pai, porque me abandonaste?

O passo em frente.
O fim.
AS

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