quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Das Bizarrias da Profissão

Tenho para mim que coisas inéditas ou simplesmente parvas que se passam na Judicatura só se passam comigo.
É apenas uma sensação que tenho, vá, mais que não seja porque não oiço ninguém comentar que lhes sucedem factos tão estranhos no seu dia-a-dia profissional como os que às vezes sucedem à minha pessoa.

Por exemplo, na segunda-feira passada, uma qualquer secretaria de Tribunal de uma terra macaca que não vale a pena mencionar qual é, mas que fica ali para a linha chique e que em tempos já foi governada por um senhor condenado por práticas pouco lavadas no que a impostos diz respeito, contactou com a minha pessoa, inquirindo-me, directa e desavergonhadamente, se o julgamento, agendado para dali a dois dias e no qual represento o autor, sempre se iria realizar e se não quereriam já as partes chegar a acordo.

Absolutamente abismada com a questão que me estava a ser colocada, ainda balbuciei umas coisas incoerentes, tipo babuína que no fundo sou, mas arranjei forma de perguntar por que motivo estava o Tribunal a fazer esta pergunta dois dias antes do julgamento.

É que normalmente, e o meu público que é quase todo ele profissional forense não me deixará mentir, os funcionários só rondam as partes como se fossem abelhas de volta do pote do mel à procura de um acordo quando já se fez a chamada e estamos a, vá, dez minutos de entrar para a sala.

É verdade que alguns funcionários são mais chatos que outros, também é verdade que alguns juízes são mais insistentes que outros na busca do acordo.


Mas este desplante todo não é costumeiro.

Maneiras que a resposta que obtive à minha ingénua pergunta "porque é que me está a telefonar com perguntas de merda se podemos resolver isto daqui a 48 horas?" foi: "porque a sra. dra. Juiz quer que a gente pergunte".

Face a isto, não tive coragem para mandar ninguém bardamerda, como me estava grandemente a apetecer.

Ou melhor, o que deveria ter dito era que esperasse pelo dia da diligência, calona da gaita, que logo se via se havia acordo ou não.
Bem sabemos que fazer julgamentos é cansativo, há que os preparar, ler as peças, estudar, tirar notas, fazer o trabalhinho de casa, no fundo. Já para não falar das deslocações, dos Tribunais no fim do mundo, dos cafés de merda que gravitam em volta destes edifícios, que encontrar um café decente nas imediações dos Tribunais é uma tarefa difícil, mais a conversa de merda dos clientes, a conversa de merda dos colegas, a conversa de merda de toda a gente, os tempos mortos, as intermináveis esperas. Para quem, depois, ainda tem que fazer a sentença, estudar de novo, rever o que foi dito, fundamentar a sentença ainda é pior, porque o trabalho continua muito depois de ter acabado o julgamento.
Não obstante, acho que, por menos por ora, não se apontam armas às cabeças de ninguém para seguirem a carreira da magistratura e, em primeira e última análise, só segue essa vida quem quer, portanto... vá, temos pena.


Mal comparando, esta chamada supersónica é como se fosse a um qualquer supermercado e ainda antes de ter feito as compras já estar numa caixa a pagar.

Onde é que já se viu esta pouca vergonha?





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