Para não variar, nem só um bocadinho, sentada no café do costume, lendo e fumando como habitualmente, estava a gaja que está lá todos os dias, no sítio do costume, como no Pingo Doce, mas um bocadinho mais ao lado.
Parece que o mal dessa moça é que tem o ouvido muito apurado, coitada, cada um nasce com os defeitos que tem e mais nada, aquela tem ouvidos de tísica, por isso é normal e muito natural que oiça pedaços de conversas das mesas circundantes.
Ora, numa mesa circundante não estava mais ninguém senão o Zé da Crista, essa personagem mítica que paira todos os dias naquele café sinistro e repleto de outras personagens igualmente míticas, falando galantemente com umazinha qualquer, tentado impressionar a moçoila, numa clara tentativa de engate, tentativa porque, obviamente, levou sopa, e segundo um certo código, em alguns casos, a tentativa é punível.
Dizia o Zézinho que os amigos tinham dificuldade em compreendê-lo, coitadinho, as idades adolescentes disto trazem, e quando se tem a mania que se é uma grande peça da filosofia jovem ao mesmo tempo que um rebelde cuja causa há-de ser ter um ipod e comer gajas peludas, mais incompreensão trará à vida de tão jovem espécime.
Pois que ninguém o compreende, inclusive o Sammy Boy que, ao que parece é o melhor amigo dele, e a justificação, senhores e senhoras, não é pelo facto de ser uma alma turbulenta ou pertubada, com ideias radicias ou arrojadas, é simplesmente porque usa palavras caras no meio das frases comuns do dia-a-dia.
E a rapariga ficou à espera que viessem as tais palavras caras, afinal, ali estava uma conversa mais que comum, do mais normal do dia-a-dia que pode haver, não poderia existir melhor oportunidade que aquela para serem ouvidas, vá lá, puto, faz o teu melhor com a Zinha que tens aí à tua frente e pode ser que ainda ganhes um bilhete de ida à casa-de-banho para intensa satisfação sexual.
Bem que apurou o ouvido, mas não ouviu mais nada que não os habituais 'tás a ver, foda-se, ya, porra e caralho, meu!
Então e a oportunidade de ouro para demonstrar a utilizção de palavras caras?
Foi-se, claro. Até porque em todos os meses de parco conhecimento com uma criatura como o Zé da Crista nunca se lhe ouviu uma única palavra erudita.
A não ser que o senhor diga ja, significando sim em alemão, em vez do habitual ya, que toda a gente diz. Deve ser.
Moral da história: não andar a ouvir as conversas alheias para não serem criadas expectativas que necessariamente sairão goradas.
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