A única vantagem, talvez, de estar doente é a de estar deitada a pensar naquilo que se passa à volta, enquanto o mundo dá as suas costumeiras voltas.
E o que resulta dessa observação e subsequente análise de factos é a realidade.
O que acaba por ser uma merda é que a realidade é, em si, uma grande, grande porra. Não vou escrever merda outra vez, acabei de o fazer há segundos. E por outro lado, repeti-me mesmo agora...
Merda é, nestas frases, o adjectivo; nem sei se isto ainda se chama adjectivo, o acordo ortográfico é uma verdade incontornável neste momento, mas creio dá para perceber que o qualificativo está lá. Merda, aqui, neste momento, é um qualificativo.
A minha vida profissional é uma merda. Não que algum dia, no último ano e meio tenha sido alguma coisa de jeito, afinal, um estagiário é isso mesmo, nada de jeito. Porém, de nada de jeito até merda ainda vai um passo considerável, e parece que, algures na minha dormência, ele foi dado.
Ou o deram por mim ou, mais provavelmente, dei-o e não dei conta.
Como pude estar a dormir tão profundamente que não vi isto chegar é um mistério mas, pelos vistos, há mais mistérios profissionais para os quais não encontro verdade ou solução.
Não que isso interesse alguma coisa para o caso, mas gostava da vida que levava.
Gostava, mesmo que fingisse que não e que atirasse para o ar meia dúzia de larachas, de quem me acompanhava naquela que parecia uma longa viagem até ao fim, até ao momento da chegada ao porto da carteira profissional definitiva.
Não obstante, quem comanda o navio mostra a sua verdadeira face e tudo o que foi visto e vivido até à data deixa de ter qualquer tipo de significado.
Passou a não existir. Uma miragem. Uma ilusão. Nunca aconteceu.
Talvez estivesse somente à espera de mostrar a verdadeira face. Talvez alguma coisa fez despoletar o que agora é a realidade. Talvez tenha sido sempre assim, mas um clique mágico fez com que as luzes da consciência se acendessem e mostrassem como tudo se passa.
Talvez. Uma destas hipóteses. Todas elas. Nenhuma.
O que é, afinal, a realidade?
A realidade agora chama pelo nome de abandono e um par de coices.
E, mesmo que finja e que arranje maneiras de lidar com este novo cenário, há coisas que magoam.
E magoam, não somente pelas pessoas que o fazem, mas porque não há maneira de se perceber o porquê da mudança. E a procura por essa resposta é uma demanda sem fim.
Alguma coisa se quebrou e não tem conserto.
Nem sequer vou andar de gatas à procura dos cacos, na esperança infantil de remediar e ter de voltar os velhos dias dourados.
Viver com o vazio deixado, olhando para o lado, não querendo ver, esse tem sido o verdadeiro desafio, vencido com sucesso, diga-se, pelo menos à superficie.
Hoje vi a minha vida profissional futura.
Olhei-a nos olhos e soube que, pelo menos, em certos aspectos, tinha bocados mortos que esperavam, desesperados, ser cortados e deitados fora.
Soube, ali mesmo, que uma vez mortos, os velhos dias dourados não voltavam e precisavam de ser separados do resto para não minar o que ainda tem salvação.
Hoje percebi que tenho o bisturi no bolso há meses, à espera que lhe deite a mão para fazer o que necessita ser feito.
Hoje percebi que, mais tarde ou mais cedo, vai ter que acontecer.
Hoje percebi que estou numa espiral de contagem descendente, que não consigo parar, que já vai adiantada demais para ser, sequer, travada.
Hoje percebi: é o princípio do fim.
E, um por glorioso momento, percebi também que é a coisa certa a fazer.
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