quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Da Família

Ter avós é assim a modos que engraçado. Ter avós chonés é ainda mais engraçado.

Gosta o meu avô de bradar aos quatro ventos e para quem o quer ouvir que no tempo dele é que era bom, que não havia corrupção, que não havia escândalos, que não havia gatunagem, que as pessoas viviam bem e eram felizes, e tudo graças a um só homem, que era grande e fenomenal. Salazar, pois então.

Tirando o facto de este mesmo homem, ainda há poucos anos, ser militante do PS e acérrimo defensor da democracia, quando confrontado com o facto de, nos tempos que ele apelida de bons, haver corrupção e escândalos, mas o povo não sabia porque havia uma coisa chamada censura, as pessoas não viviam nada bem porque havia, vá, fome e miséria como não há memória, haver gatunos como há agora, apenas tal facto não era mencionado com muita frequência, e que as pessoas não seriam necessariamente felizes porque havia falta de muita coisa que nada tinha a ver com a doce demagogia da liberdade e democracia, tinha somenta a ver com as dificuldades económicas, a falta de trabalho, a falta de cuidados, enfim, a falta de tudo o que o bom do Estado Social trouxe, ele acha que é tudo mentira e que o estão a tentar enganar e a denegrir o bom trabalho que esse grande homem fez.

Obviamente que dizer isto ao velhote ou mandá-lo plantar batatas é exactamente a mesma coisa, pois que se chega a esta provecta idade e a capacidade de armazenamento de informação, compreensão e processamento está com a reserva de energias muito em baixo.

Ali um momento de confusão, a informação a chegar ao cérebro com grande lentidão, uns minutos de silêncio e depois a tirada brilhante: Mas eu andei descalço quando era menino e comia só pão de milho!, anuncia ele, com a voz embargada da emoção de ter derrotado o seu interlocutor com esta conclusão que arreda todos os argumentos.

Mas, ó avô, isso era mau! Não vês, andavas descalço e passavas fome! Como é que isso era uma coisa bem feita pelo teu bendito Salazar?! (sim, eu ainda tento...)

Mais um momento de silêncio, mais uns minutos de confusão, mais a informação a chegar com os bofes de fora ao cérebro que, coitado, também já está cansadito.

E era isso que agora fazia falta! Fome e pobreza para as pessoas verem!, diz ele.
Mas não é isso que tu dizes que há agora e que no teu tempo não havia?, pergunto eu.

Silêncio...

E pronto, fundiram-se as lâmpadas todas e gera-se a barafunda, e acaba o homem a falar mal dos Governos e a bendizer o ditador.

Abençoada velhice que faz esquecer as argruras da vida.

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