Outro dia, estava eu na farmácia à espera de aviar uma receita (atentai que tenho 84 anos, já sabeis) quando, no hiato de troca de música no telemóvel, começo a ouvir a conversa entre o farmacêutico e as pessoas que atendia, um casal de jovens.
Claro que depois de perceber o tema da conversa, pus a música de lado, embora continuasse de fones nos ouvidos, a fingir que olhava para o ecrã do aparelho.
Os pobres jovens queriam tão somente a pílula do dia seguinte, a qual solicitaram ao senhor farmacêutico.
Este último, que é um calhau com olhos que deve ter assumido como sua missão de vida evangelizar todas a gente com as suas ideias de génio enquanto as grita para meio mundo ouvir, em vez de virar costas para ir à procura do medicamento, começa de interrogar a rapariga com todo o género de perguntas íntimas: quando é que tinha sido a relação desprotegida (deviam estar a foder ao relento, só pode), quantas vezes é que aquilo lhe tinha acontecido na vida (umas sete só na semana passada, filho), se tinha vida sexual ativa (não, fugiu agora de um convento), há quanto tempo a tinha iniciado (aos 91, como está bom de ver), o que é que tinham feito quando tinham dado por isso (foram ouvir sermões para a farmácia, não é óbvio?), se estavam a usar preservativo ou não (não, que os preservativos estão caros; usaram tripa de porco), se tinham feito de propósito ou não (o que é isto?!), se tinham feito "retirada estratégica" (de onde, do mercado ou da frente de batalha?), entre outras doçuras destas.
Tudo perguntado a altos berros, para a populaça da farmácia ouvir.
Sem pudor nenhum, sem respeito pela privacidade da moça.
Já para não falar do machismo intrínseco de só estar a questionar a rapariga, enquanto o rapaz só assistia. Ele bem se tentava meter e responder no lugar dela, mas o orangotango do farmacêutico não deixava: já tinha engatado o alvo, não havia nada a fazer.
Fiquei com vergonha alheia.
Se o medicamento em causa é de venda livre, há necessidade deste espectáculo para o povo ver?
Claro que é um medicamento de recurso, não quer dizer que seja vendido sem se avisar o consumidor dos riscos da toma continuada, mas fazer um interrogatório destes, à frente de toda a gente, apenas à rapariga, como se apenas a ela cabesse a responsabilidade e o dever de cuidado, não é forma de fazer aviso sobre o potencial perigo de um medicamento.
É fomentar a caça às bruxas.
É desrespeitar a privacidade das pessoas.
É ser condescendente e arrogante.
Pergunto-me se lá tivesse ido uma qualquer pessoa pedir um clister se também seria questionado acerca do tamanho, cor e formato dos cagalhões.
Honestamente...
Por outro lado, quem me manda ficar a ouvir a conversa dos outros, se é para me chatear a seguir?
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