Ter família é saber suportar as argruras de viver com um bando de gente das cavernas.
O que constitui uma fonte de conhecimento e vivência para lá de todos os ensinamentos académicos.
Por exemplo, quando se está ao telefone com a senhora da TVCabo, tentado perceber, afinal, quais são os canais fixes que estão incluídos no pacote mágico que ela quer vender, e estão os animais a falar alto uns com os outros e a mandarem-se mutuamente à merda sem pejo nenhum, tanto e de tal forma que se consegue perceber a pausa no discurso da senhora e a retoma do diálogo, agora com um ligeiro tremer das palavras, como quem abafa uma gargalhada estrondosa.
Ou, por exemplo, quando se tem na família um ser que bate com o carro em todo o lado, coisa que pode acontecer a qualquer um, mas que insiste sempre em não ter a culpa, mesmo que tenha do seu lado um sinal de cedência de prioridade (tenho uma amiga a tirar a carta, ela que se pronuncie sobre as consequências de desrespeitar um sinal destes, que sempre tem a matéria do Código da Estrada mais fresca). E quando se tenta explicar ao ser exaltado, que quer ter sempre razão, e que vai pôr o cabrão que vinha desgovernado, drógado comcetêza, em tribunal, que não vale a pena porque a razão não está do seu lado, ouve-se logo mas o que é que tu percebes disso, acaso és o juiz agora, não querem lá ver isto?
Tendo em conta que esta é a mesma pessoa não se lembra de alguma vez na sua vida ter sido militante do Partido Socialista e agora entoar que o Salazar é que era, está tudo dito.
Ou ainda, a título de mero exemplo, claro, quando o progenitor vem buscar a filha ao local de trabalho e em vez de esperar pacificamente, como qualquer outra pessoa, se põe debruçado na janela do carro, ver sair as moças que trabalham no mesmo sítio, fazendo apontamentos mentais das que são boas e giras das que são feias como os trovões, e fazendo questão de os partilhar no caminho de casa.
Poder-se-ia ter uma família normal e saudável?
Sim, poder até podia, mas não se era tão inimputável.
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