Pelos trilhos íngremes da montanha, caminha o viajante. Segue sempre, sem parar.
No rosto, as marcas do tempo, os sulcos do desgosto, as batalhas travadas gravadas em suas mãos. Os grilhões nos seus pés, pesados como rochas, prendem-lhe os movimentos, sufocam-lhe os passos, impedem a progressão. E as lágrimas, uma corrente infinita que cravou o seu percurso na face castigas, lembram todos os passos que deu com os seus pés descalços, feridos, rasgados no longo trilho da montanha impiedosa. Juntam-se aos riscos profundos que ostenta no rosto, recordação do que foi feito e do que ainda há-de vir.
No trilho sinuoso da montanha, não há estio, e todos os dias são de neve, de frio cortante, de vento agreste. E o viajante nunca para, nunca descansa, segue sempre.
A cada metro que avança, os espíritos protectores do segredo que a cordilheira esconde tentam desvia-lo do caminho, empurram-no, puxam-no para trás, ajudados pelo vento gelado, pelo nevoeiro intenso.
Mas o viajante não desiste e continua a caminhar, apoiando-se em seus pés golpeados e no seu bordão lascado. Para lá da serra, para lá das intempéries, esta a cidade à beira mar, a cidade onde em breve ira chegar, a terra prometedora de felicidade, a terra prometida da prosperidade. A cidade que esteve à sua espera, com que sonha a todos os minutos, em que pensa com mais intensidade quando o frio lhe entorpece os membros e não o deixa respirar.
Mas o caminho é tão longo, tão penoso...à noite, quando o gelo penetra na pele, quando o frio ameaça a frágil vida do viajante, pensa ele que nunca há-de chegar ao seu destino, que a sua triste sina é vaguear dolorosamente por vias tortuosas que levam a lado algum que não aquele que tanto almeja. E quando o desespero sufoca o coração, mais destruidor que qualquer noite gelada, lágrimas quentes brotam os olhos cansados do viajante, quebrando o gelo em sua alma. E volta a partir, o viajante.
Um dia, quando já havia perdido a conta aos anos a que caminhava na montanha, viu o mar na linha do horizonte. apelando às pernas cansadas e a toda a forca que lhe restava, correu montanha abaixo o caminho que lhe faltava.
E lá estava ela, a cidade luminosa, perdida em lendas e agora finalmente encontrada, erguida ao lado do mar azul, brilhante, grandiosa em toda a sua extensão.
O viajante, mal acreditando no término da sua longa e desgastante viagem, chora agora lágrimas de alegria, que não apagam as cicatrizes que a jornada lhe fez, mas que as tornam milagrosamente cintilantes.
A viagem acabou, tinha-a encontrado.
O viajante sou eu.
Sem comentários:
Enviar um comentário