Havia um deus qualquer que sabia perfeitamente que ela não gostava de gente submissa, mais especificamente, de mulheres submissas.
Sabia perfeitamente que considerava um ultrage e uma pouca vergonha ainda existirem, em pleno século XXI, mulheres sem carácter e sem força de vontade suficientes para viverem honradamente sem baixarem a cabeça e dizerem ámen a todas as 'ordens' dos homens, mulheres que, não obstante a educação e formação que lhes foi ministrada, gostavam de fazer de tapete aos homens e servirem de capacho a todas as suas vontades. Mulheres que não respeitavam a sua própria condição de ser humano, no fundo.
Esse deus sabia que ela não suportava espécimes assim, que lhe feriam a sua costela feminista mais acesa e férrea, e por isso mesmo, fazia questão de só pôr no seu caminho raparigas que, coitadinhas, mais pareciam que tinham vindo directamente do século XII de tão subservientes que eram. Mais pareciam, de facto, não terem personalidade ou, tão simplesmente, não terem vértebras no pescoço, pela maneira como mantinham sempre a cabecinha baixa a todos os caprichos masculinos.
Fazia o deus questão de lhe esfregar nas trombas todas as pessoas femininas sem vontade própria, tão carentes e subjugadas, que cediam a todos os desejos dos maridos tiranos, sem nunca questionarem ou pensarem pela própria cabeça, sem nunca se revoltarem, fosse de que maneira fosse.
Fazia o deus questão que ela visse o que as outras fazem para que se lembre do que um dia foi feito e que a perseguirá para o resto dos seus dias. Fazia questão o deus de lhe pôr à frente dos olhos as condutas às quais um dia sucumbiu e que por tal amargamente se arrependeu, para lhe provar que ser igual aos carneirinhos todos só traz estragos e nada mais sobra que não seja destroços. Vês o que um dia fizeste, diz ele, soube-te mal, não foi? Agora arrota com aquilo que as outras fazem para veres a figurinha que andaste a fazer.
E assim o deus punha-lhe aquilo à frente dos olhos. Todos os dias.
O deus chamava-se ironia.
Ela chamava-se uma coisa qualquer.
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