sexta-feira, 8 de março de 2019

Dia Internacional da Mulher

Este dia não era suposto ser celebrado.

Não era suposto ser necessário assinalá-lo.

Não era suposto ser necessário falarmos da igualdade de género, não era suposto precisarmos de rever as nossas condutas, de reeducar filhos e pais, não era suposto precisarmos de nos relembrar que ainda há gente a ser discriminada pelo simples facto de ser mulher.


Era, sim, suposto termos uma sociedade igualitária em todos os quadrantes.
Era suposto ganharmos o mesmo salário para funções iguais, era suposto fazermos todos as mesmas tarefas domésticas, era suposto não haver violência de género, era suposto tratarmo-nos todos como aquilo que somos: pessoas.


Ultimamente, tenho sentido muita vergonha de viver neste país.

Tenho observado e presenciado comportamentos que demonstram que mais não somos que umas criaturas pré-históricas.

Todos os dias, de há uns meses para cá, tenho ouvido os meus compatriotas que, ao saberem de noticias sobre violações e assedio sexual a mulheres, têm como primeiro impulso culpabilizar essas mulheres, apelidando-as de oferecidas (e outras coisas menos doces), que se puseram a jeito, que estavam mesmo a pedi-las, que não podem vestir roupa provocante se não querem ser violadas.  Ou seja, desculpabilizando o criminoso em detrimento da própria vitima.

Tenho ouvido os meus compatriotas muito condoídos com as mortes de 12 mulheres em 2 meses, todas em contexto de violência doméstica, mas a fazerem zero denúncias e a assobiarem para o lado (assobiar para o lado é equivalente a aplicação de pena disciplinar de advertência) quando há um juiz a debitar a Bíblia em acórdãos para justificar e desculpabilizar agressões a mulheres.

Tenho ouvido os meus compatriotas a queixarem-se amargamente das coisas que agora inventam, que agora já não se pode dizer nem fazer nada, coisas inocentes como piropos e aquelas doçuras que se ouvem quando se vai na rua e se passa por um bando de orangotangos, que é sempre agradável, que se levantam logo ondas de indignação.

Tenho ouvido os meus compatriotas a insultarem pessoas que pertencem a associações feministas, como se o facto de lhes chamarem histéricas, esganiçadas e lambedoras de sei-lá-o-quê fosse mais que suficiente para lhes acabar com os argumentos mais que válidos.


Tenho assistido a estes comportamentos completamente boquiaberta, à espera que pare tudo e alguém grite de um dos lados: "é para os apanhados!".
Mas, desafortunadamente, esse grito não vem.

Isto está mesmo a acontecer.


Esta sociedade, sob uma capa de progressista e moderna, trata as mulheres como um ser inferior.


Um ser que ganha menos, que trabalha mais em tarefas domésticas, que trata mais dos filhos.

Um ser inferior que não pode andar na rua como quer porque senão corre o risco de ser violentada e aí, é bem feita.

Um ser inferior que não pode defender os seus direitos, nem bater o pé, nem indignar-se com a discriminação que é logo histérica, burra, comunista, arrivista, esganiçada, feminista, lambareira.

Um ser inferior que faz 1000 queixas de violência doméstica e mesmo assim acaba morta numa valeta porque ninguém a ouviu.

Um ser inferior que é discriminado pelas do seu próprio género porque a educação que teve e a consciência colectiva, mesmo que inconscientemente, está presente e diz: o homem é dominante.



Este é o século XXI que temos. O século XXI a que temos direito. Um século XXI mergulhado nas trevas, com toda a gente a indignar-se muito mas inconscientemente a pensar e a agir contra a igualdade.

Tenho sentido não só vergonha de todos estes comportamentos, mas também um outro sentimento nasceu em mim, um sentimento bem mais básico: medo.
Passei a ter medo que, caso me aconteça alguma coisa e seja eu vítima de violência, qualquer que seja, por ser mulher, vai toda a gente tratar-me de maneira diferente e assobiar para o lado.

Creio que é chegada a altura de mudarmos este padrão de comportamento.

Chegou a altura de dizer basta a este clima de diferenciação.


Temos 10.000 anos de evolução em cima; vamos continuar a viver na pré-história? Vamos continuar a tratar-nos como seres humanos de primeira e de segunda? Vamos continuar a tolerar as pequenas coisas que fazem a diferenciação negativa entre homens e mulheres? Vamos continuar a viver nesta neblina de medo e discriminação?

Ou vamos fazer a diferença, mudando comportamentos, mudando mentalidades, educando os nossos filhos para a igualdade e o progresso, censurando comportamentos misóginos, criticando activamente discriminação de género, batendo o pé e recusando rótulos?

Um dia, o dia de hoje vai ser um dia como outro qualquer.
Até lá, temos um longo caminho a percorrer.
Que se comece hoje.



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